Terra Adorada, salve, salve!

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Poucos hinos nacionais são tão esplêndidos como o do Brasil. Com suas figuras de linguagem e inversões de termos, descreve com glória o sentimento eufórico e utópico da época da independência. Entretanto, as alusões ao futuro resumiram-se a somente isso: utopia. O romantismo, ao seu tempo e modo, fora contaminado também por esse espírito de liberdade. Gonçalves Dias, se compusesse hoje sua célebre canção do exílio, talvez dissesse:


Minha terra?
Lá não há palmeiras, muito menos sabiá.
As aves que aqui gorjeiam nunca passaram por lá.

Joaquim Osório (o autor do hino, para quem não sabe) ficaria decepcionado se hoje pudesse ver o Brasil do seu povo heroico. E não havia como ser diferente. Billy Halleck diria que é assim que tem que ser. Nossa independência não foi retumbante, caro Joaquim. Apenas uma jogada de estado, do nosso aclamado Dom Pedro. O seu povo heroico não participou da Independência, não deram grito nenhum, muito menos lutaram até a morte.
Pois te digo que o arraial de Canudos lutou, gritou, resistiu até o último velho e a última criança contra bandos enfurecidos de soldados. O pessoal de Contestado também lutou. E não ousam sequer a pôr o nome de uma avenida como Conselheiro. Ao contrário, fazem de tudo para eclipsar sua memória. A barragem sobre a antiga cidade é prova disso. Porque ele é o símbolo da resistência. Enaltecer seu nome seria dar motivo de esperança às massas. E isso é errado. Massa não pensa, massa se manipula. Fazê-la pensar é atentar contra a ordem natural. Igualdade? Não havia igualdade, nem em 1822 nem agora. O seu Brasil, cujo futuro espelha a grandeza do território, é excludente e perverso. Tietes de Lula, não me crucifiquem. Mas, enquanto idolatram o populista pai do povo, deixem a propaganda um pouco de lado. Educação? Centenas de escolas foram abertas. Procurem saber da qualidade de cada uma antes de qualquer coisa. A prelazia agora é pelo quantitativo, nada de qualitativo. Porque o brasileiro, aquele do braço forte e grito retumbante, gosta de números. Mapas com imensos pontos vermelhos e números bem grandes. Ao tempo que algumas famílias recebem auxílio isso, auxílio aquilo, mendigos dormem sob os viadutos; crianças e mulheres, fugindo do marido violento, enchem as calçadas em busca de alguns trocados para comprar pão; mazelas abandonadas, sequer levadas a sério. E o seu país, o que faz? Aumenta salário de prefeito e deputado, gasta bilhões com obras atrasadas para a copa. Em uma certa propaganda das olimpíadas, as favelas do Rio foram apagadas do cartaz. Nada além do esperado. Essas construções são uma vergonha para o país do futebol, do samba e da mulata bonita. Um cancro a ser combatido. Pacificação? Propaganda, meu irmão! Como certificação de paz durante esses dois eventos, é necessário começar logo, mostrar resultados aos gringos. É a mesma história daquelas “leis para inglês ver”
E os teus bosques, ó Brasil, estes são dignos de piedade. O que resta da formosa Mata Atlântica? Alguns míseros tufos de vegetação, circundada pelo concreto. A Amazônia, pobre dela, sofreu todo o tipo de degradação. Pastagens, soja, exploração da borracha e da madeira. O polo industrial de Manaus, um cigarro no pulmão do mundo (termo obsoleto, desculpe; o certo seria ar condicionado do mundo). O teu povo, Joaquim, o povo do teu Brasil utópico, foge à luta. Enquanto em outros países os jovens brigam com a família para entrar no exército, aqui vemos inúmeras campanhas exibindo o heroísmo dos nossos soldados para incentivar alguns homens a se alistarem. E o patriotismo fica em segundo, terceiro, último plano, brother! Produtos nacionais não prestam, só os americanos. E vejam que contradição. O próprio país incentivou tais preferências. Sempre fora quintal dos Estadunidenses (daremos a eles o nome apropriado; afinal, a América também é dos americanos).
Brasil, terra adorada. Com suas epidemias e corrupções. Com sua violência e estupidez. Sempre idolatrando os maiores. Procurando os culpados e julgando os inocentes. Desenvolvendo soluções e criando mais problemas. Esse é o nosso Brasil, a Mãe Gentil, a Terra Adorada. Até quando, Brasil?



segunda-feira, 5 de setembro de 2011


Observei-a de longe, e algumas conclusões pude tirar. Aparentava ter consigo uma tristeza imensa. Mas não algo incontido, desesperador. Era uma dor calma, se é que isso existe. Quase como se a aceitasse, e já não pudesse viver sem ela. Aquela tristeza a acompanhava há tempos, desde quando parou de escrever. Pude perceber isso, mesmo sem me aproximar. Ela tinha um ar de escritora cheia de estórias guardadas. As frases sublevavam-se por seus olhos e em instantes pude deduzir toda sua história. E sempre aquela tristeza. Estavam juntas desde que aprendera a viver sozinha. Cansou de esperar pelos outros, de sofrer sozinha. Agora tinha uma companheira. Iguais, autossuficientes. E conviviam bem, até. Estavam em harmonia. Ela e sua tristeza infinita, duas irmãs siamesas.
“Quando você pensa que está tudo uma merda, olha para o lado e vê um espelho. Através dele, não está o seu reflexo, mas o seu passado. Tanta coisa aconteceu! Tantas barreiras, tantas pedras, tantas quedas. E elas não foram em vão. Trouxeram-te até aqui. Pode não ser o melhor da vida, mas é resultado do que você já vivera. Então olha outro espelho, e nele encontra o seu futuro. Diferente do que você queria, mas suficiente para ser feliz. Pode não ser o seu conceito de felicidade agora, mas será no futuro. Creia nisso, você será feliz. Ou não.



quarta-feira, 27 de julho de 2011


Sua voz ainda retumba nos meus ouvidos. Aquela voz suplicante e turva. Afinal, deveria ele suplicar? O seu pedido não beneficiaria em igual proporção a mim? E por que então eu resistira? Pela minha inseguraança, pelo medo de um monstro inexistente. Aquela voz. Em sintonia com o aroma, doce e envolvente. Turbilhão de sensações que me transportavam para outro mundo sem um mínimo de esforço, embora eu resistisse. Batia o pé e teimava em permanecer lúcida. Seria melhor embriagar-me na sua voz e deixar-me seduzir por seu cheiro. Decerto sempre fui teimosa. Apegava-me a cada centímetro de sanidade e relutava em enlevoar-me. E tudo isso por pura teimosia, manha. Talvez algo mais. Racionalidade exacerbada. Sou tão racional e centrada que imponho barreiras a mim mesma. E tudo isso me impede de experimentar tais enlevos. Cerco-me de cuidados, estou privada dessa transcendência que só ele me cedia. Só o seu perfume e a sua voz me transgrediam a uma existência superiormente interessante. Um luxo radioso de sensações. Ele era o meu Basílio, enquanto eu incorporava a Luísa recém-cativada. E desde as três começava a ser feliz.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Não entendo a relação entre loucura optativa e felicidade. Por loucura optativa entenda passar vergonha, rir de tudo, beber até cair, ultrapassar limites, aquela típica pessoa que finge não se importar com o que a sociedade pensa mas usa as últimas tendências de moda para não ficar por fora. E quando a chamamos de loucas, dão a simples resposta de que ao menos são felizes. Por quê? Por que se criou essa relação? Não compreendo. Quer dizer que se eu não gosto de dançar em público eu não sou feliz? Só porque não ando rindo de todo idiota que vejo eu não sou feliz? Mas afinal, o que é felicidade? Há alguma fórmula pronta? É padronizada? O que faz um brasileiro feliz é o mesmo que faz um russo feliz? Decerto que não. Então, por que acha que eu não sou feliz? Qual explicação me dá por pensar que felicidade é ser expansiva e comunicativa? Essa é a sua felicidade. A minha é muito diferente. O que me faz feliz não tem nada a ver com essa loucura toda. O que me faz feliz é outra coisa. É um bom livro, uma boa música, um bom filme, um bom vinho com uma boa comida. Essas atividades que você taxou de chatas. Tudo isso me leva ao êxtase. Esses pequenos prazeres da vida. Sem extravagâncias nem exageros. Na medida certa. Assim que eu fico feliz. Então, por favor, pare de ser tão egoísta. Pare de se refugiar na sua loucura optativa a fim de tentar ser feliz, porque só os loucos são felizes. Pare de hipocrisia. Tente encontrar a sua felicidade. Procure o que te faz feliz. Não vá pelos outros, eles não são como você.
Emilia saiu de casa às sete da manhã. Sentia-se exausta, a noite de ontem fora cansativa. Um sorriso de canto projetava-se em sua face. Caminhava devagar, sem perceber os olhares que deixava para trás. Figurava o restante do dia, como se para atrair boas ações. Chega de tantos desastres, foram suficientes por uma noite. Uma menina com saia xadrez e um cachorrinho sob o braço comprava flores artificiais. Teria alergia a pólen? Acompanhou Emília com o olhar virando o pescoço para vê-la até dobrar a esquina. Fútil! No café com mesinhas de ferro, um homem sentado bebericando algum chá de cheiro forte com uma dose de estimulantes ainda desconhecidos pelos drogados. A moça de cabelos curtos e botas compridas mexeu com sua imaginação depravada. Pensou se ela gemeria como sua filha, se seria adepta do anal como sua vizinha. Pervertido! Metros depois, a loja de roupas prendia a atenção de uma adolescente deprimida. Cortava os pulsos graças à sua mãe que lhe tirara o IPod. Chegou a admirar Emília, com seus piercings e tatuagens, era uma verdadeira revoltada. Quais seriam seus motivos? Será que foi proibida de sair à noite? Ou não a deixaram usar seu tablet? Ficou curiosa. Superficial! Emilia entrou numa livraria incomum, meio escondida nas sombras, com as portas fechadas e poucos livros na vitrine. Percorreu com os olhos as poucas prateleiras do lugar e selecionou alguns títulos. Manual do Iniciante 502; Defesa Avançada – nível 3; Não Perca o Controle – 25 técnicas infalíveis de proteção; Invocando com Segurança; Guia Prático de defesa – se algo deu errado, este livro é seu melhor amigo. 

Sentou-se à única mesa do lugar. Era curta, com apenas dois lugares ambos vazios, feita de madeira de lei. Aparentava ser bastante antiga, do tempo dos reis. Uma fina camada de poeira denunciava a falta de uso. Pouquíssimas pessoas devem freqüentar esse lugar. Agora sua mente trabalhava mais rápido, passado o torpor do acordar. Normalmente, levantava-se bastante ativa, mas aquele não era um dia normal. As atividades da noite foram além do combinado. Aqueles imbecis, gostaria de vê-los lidar com você. Vasculhou os livros com certa agilidade, como se conhecesse as páginas desejadas. Depois de conferir que tinha o necessário, dirigiu-se ao caixa. A máquina registradora era obsoleta, sequer aceitavam cartões de crédito. Emília precisou ir ao banco mais próximo e sacar duas notas de cem. Durante o trajeto, novas pessoas a olharam com estranheza, e um cachorro latia com insistência, quando ela passou em frente ao portão da casa. A estudante com sete livros sob o braço. Desesperada! A mãe peituda com três filhos mal vestidos atrás de si. Vagabunda! O homem de terno, mala de couro preto e olhar desconfiado. Corrupto! O namorado que enviava torpedos pelo celular enquanto a namorada estava distraída. Traidor! A atendente da livraria tinha uma aura esquisita. Os cabelos negros escorridos caiam pelos lados do rosto e seguiam até abaixo da cintura. Mascava um chicle, enquanto folheava uma revista de bandas góticas sem muito interesse. Tamborilava o balcão com unhas roídas. A maquiagem borrada dava-lhe o aspecto de uma pintura surrealista. Solitária. Emilia pagou os livros e saiu depressa da livraria, embora aquele ambiente lhe fosse agradável. Precisava resolver essa questão o mais rápido possível, então rumou direto para casa, sem pensar nos espécimes com os quais cruzava pelo caminho. Durante o trajeto, relembrou-se passo a passo dos acontecimentos de ontem, para ter certeza de não esquecer nem uma palavra, nem uma ação. Tudo seria importante para desfazer o ritual. Passou numa loja de decorações e comprou algumas dúzias de velas vermelhas e incenso, não pôde apagar as outras e derreteram por completo.

Sentou-se na mesa da cozinha com um café forte na sua xícara azul. Levou algumas horas para ler todos os livros, precisava de toda ajuda possível, ainda mais por estar sozinha desta vez. Adiantou-se para começar o novo ritual, não queria que escurecesse enquanto lidava com essas criaturas. Deveria pedir ajuda, expulsar espíritos de seu próprio corpo não seria fácil, mas tudo foi culpa daqueles idiotas, não poderia correr o risco de algo dar errado de novo. Incompetentes! Acendeu as velas e distribuiu-as pelo apartamento, duas em cada porta e janela, fazendo um portal iluminado nos cantos. Afastou os móveis da sala de estar e com o sal que restou refez o hexagrama, que foi desfeito pelas pegadas dos garotos quando saíram correndo, abandonando-a à sua própria sorte. Em cada ponta pôs mais uma vela e, no centro, um coelho com as patas amarradas. Acendeu o incenso e seguiu para o centro do hexagrama. Com uma vela aos pés e uma adaga numa das mãos, concentrou-se para pôr em prática o que aprendeu nos livros. Cum autem ibi me venire. Reliqui locum tuum eoque interritus. Resume sedes tua ego me invocant te dominari! Enquanto recitava, cortava o peito do animal. Só uma brisa suave penetrou no apartamento, apesar das janelas fechadas, fazendo as chamas tremeluzirem. Tentou novamente, com mais convicção. Dicam mihi, nunc invocare, qui cuncta videt. Age nunc, et in opera tua! Agora o ar estava frio, algumas sombras se moviam, e a única iluminação ali dentro era a luz fraca e mórbida das velas, mesmo com o sol das quatro da tarde derretendo os sorvetes das crianças. Sons esquisitos, gritos, gemidos e risos cadavéricos, barulho de umidade, ossos estalando. Ruídos metálicos, de dor e medo, quebravam o silêncio. O odor de mofo e morte enchia o ambiente. Coração disparado, mãos tensas, e um grito torturante emanou do fundo da alma. A adaga caiu das mãos, junto com o animal morto, caíram das mãos quando suas pernas dobraram-se para trás e seu pescoço deu um giro de 270°. Os piercings da garota foram arrancados de sua sobrancelha, boca, língua, seio e umbigo, e atirados contra a porta. Seu corpo gravitava dentro do hexagrama, girando no seu próprio eixo, até ser arremessada contra o espelho da sala e ter a pele perfurada por minúsculos cacos de vidro. Os gemidos substituíram-se por risadas histéricas, estava se divertindo com a dor da menina. Mesmo ferida e sangrando, Emília conseguiu levantar-se e proferir mais algumas palavras. Tentativa inútil. 

Os três espíritos recém chegados não permitiram. Invadiram-lhe o corpo, assumindo o controle físico e mental. Ela achou que era brincadeira! Seus amigos medrosos a manipularam? A garota punk, ela é forte o suficiente para suportar outros seres! Ela se considera muito capaz! Muito segura de si para ceder aos Irmãos! Em cada período, uma voz diferente emanava de sua garganta. A cada instante, um Irmão diferente tomava o poder. O corpo da garota bailava pelo apartamento, numa dança desritmada e sem sincronia, uns movimentos macabros, sem um mínimo de beleza. Sua mão esquerda apanhou a adaga decaída e realizou mais alguns cortes profundos em sua face, tornando-a irreconhecível. A brincadeira estava divertida, era excitante vê-la sofrer. Entretanto a noite só estava começando, ainda havia muita gente que os esperava. A dança fantasmagórica cessou e a garota arremessou-se pela janela. Estavam no décimo terceiro andar, nenhuma probabilidade de sobrevivência. Seu corpo aterrissou no bosque ao lado do edifício. O cheiro de sangue fresco atraiu os lobos que vagavam por ali. Emília foi devorada em minutos, enquanto os quatro Irmãos seguiam procurando algum outro grupo desavisado que gostasse de novas experiências.
Estava acostumada a viver sozinha. As pedras do caminho deixaram-na rígida. Auto-suficiente, como ela sempre ansiou. Aquele vazio já não a incomodava, sentia-se tranqüila na sua própria rotina. Livros, música, vinho. Esses pequenos prazeres a satisfaziam, não precisava de mais nada, não precisava de mais ninguém. As férias, entretanto, a surpreenderam. Foi um sopro do destino com uma pitada de sorte. Algumas colheres de bom humor e uma dose de festas. Um sorriso encantador. Dentes brancos como aquela nuvem passageira. Olhos carinhosos que a seduziram. Ombros largos onde podia cravar suas unhas afiadas. Ele encaixava-se com perfeição nos seus planos. Além disso, era diferente. Era natural, sem esforços. Tudo o que ela procurava, só alguns ínfimos detalhes não lhe convinham. Ele a fazia bem, entende? Não era o estereótipo de homem perfeito, não era intelectual nem bem sucedido. Era bonito, decerto, e carinhoso. Mas nada que fizesse derreter qualquer coração de gelo. Todavia, era o que ela queria, o que ela precisava. Bebia, não lia, cometia alguns erros de português. Imagine! Logo ela, que admirava sobretudo uma boa gramática, relevar suas infrações! E relevava. Deixava passar, achava graça, ria por vezes. E achava bonitinho quando ele pronunciava o “s” do plural com tanto esmero. Ele a cativava de um modo singular, que só eles compreendiam, só ela reconhecia. Com surpresa, percebeu uma esperança crescente. Sentia um desejo incomum de permanecer a seu lado, de continuar nesse estado de bem-estar. E desejou que essas férias não de findassem. Desejou que aquela semana se prolongasse por mais tempo. Desejou. Ansiou. Esperou. Rezou. Gritou. Sem sucesso. A semana iria passar de qualquer maneira, não importando seus esforços.  E uma mórbida sensação a invadiu. Um misto de perda e morte, solidão e abandono. Quis chorar, espernear, pôr para fora a criança mimada que um dia fora. Mas ela cresceu, aprendeu que chorar não afasta as perturbações. Então, ela só queria terminar essa semana com o seu aspirante a amor. 

“Que não seja imortal, posto que é chama
 mas que seja infinito enquanto dure.”
(Soneto da Fidelidade - Vinícios de Morais)

Às vezes tenho umas ideias meio loucas e sem nexo. Por exemplo, outro dia me peguei analisando a tristeza das pessoas felizes. Não sei de onde surgiu o pensamento, mas lembro-me que havia uma garota próxima, distribuindo sorrisos, gritinhos, beijos. A cada amigo que encontrava, dava um belo abraço, um sorriso afável e uns beijinhos na face. Comentava sobre seu cabelo, o agradava com seus elogios infindáveis. E naquele momento, percebi a tristeza que ela tentava esconder. Comecei a notar os olhos de certas pessoas e surpreendia-me com o brilho opaco que os transbordava. Um sorriso cansado, uma lágrima contida. Não é do meu feitio fazer conclusões sem fundamento,  mas creio que posso afirmar com alguma certeza, depois de profundas observações. Pessoas felizes, com uma alegria incontida, sustentam uma complexa hipocrisia. Talvez se assemelhe à dissimulação, talvez não. Talvez seja medo, seja falta de coragem. É mais fácil responder que se está bem do que explicar os motivos da tristeza. Não as admiro. Algumas podem ser fortes e não quererem que sintam pena delas, mas a grande maioria é covarde. E a covardia não é louvável. Não engrandeço os fracos. São sofredores, reféns do seu defeito. Pobres. Deveriam ser mais verdadeiros, aceitar sua essência, sua tristeza. Quem sabe seriam mais felizes.

Piercing

segunda-feira, 27 de junho de 2011


"o presente não devolve o troco do passado
sofrimento não é amargura
tristeza não é pecado
- lugar de ser feliz não é supermercado"


Feliz Dia dos Namorados!!

domingo, 12 de junho de 2011

12 de junho. Dia dos Namorados . E o que vemos pelas ruas são garotas preocupadas com o melhor presente, garotos tentando escolher algo que agrade a parceira, casais trocando presentes. Todos se reconciliam, esquecem as brigas e mágoas, vivem felizes para sempre. Que romântico! Até parece que sim. Mas esse ‘sempre’ dura um ou dois dias. Passado o ambiente de romantismo, volta a intolerância, o ciúme exagerado, a desconfiança, as brigas. Todos os ressentimentos do passado, esquecidos durante aquele dia, voltam com a mesma intensidade de antes. Os presentes ficam guardados na gaveta. Afinal, do que serviu o Dia dos Namorados? Para encantar os corações dos apaixonados? Para deprimir as solteiras? Deveras fosse. A única e exclusiva função dessa data é movimentar o comércio. Quem você acha que foi o maior beneficiado? Quem, afinal, teve a brilhante ideia de comemorar um relacionamento, no qual as pessoas sentem-se obrigadas a presentear o parceiro? As empresas, meu bem. Os chefões do capitalismo. Diga-me, qual a diferença desse dia? O sol está mais próximo da terra? A lua está mais brilhante? O céu está mais límpido? Os seus bosques tem mais vida e sua vida, mais amores?  Que nada! Qual é, afinal de contas, a diferença? Responda-me, o que acontece de diferente?! Você gasta mais dinheiro. Seu namorado gasta mais dinheiro. Os casais gastam mais dinheiro. As empresas ganham mais dinheiro. O capitalismo ganha mais força. Capital de giro, é assim que eles chamam, talvez. Essa é a capitalização do sentimento. E você ai, sentindo-se rejeitada porque suas amigas compraram presentes, você sentindo-se mal-amada porque seu namorado não te deu algum presente. Comemore! Não caiu na teia dos cartéis. Mas você é tão tola que não consegue enxergar. Vê tudo através de lentes coloridas, vermelhas, que é a cor do amor. Não vê a ridicularização dessa troca de presentes. É tudo história do capitalismo! É tudo papo furado! Não tem nada de romântico nessa data. Nada. É só mais um maldito dia, mais um fodido feriado, como aquele em que você presenteia sua mãe, que você tem vergonha de apresentar aos amigos; presenteia seu pai, que te faz pagar um mico quando te leva na escola; presenteia suas crianças, as quais você espanca como forma de educação; presenteia sua avó, que você só visita para pedir dinheiro. São todos dias fodidos. Todos.

Dhay Souza

quarta-feira, 1 de junho de 2011


Ultimamente um novo clichê foi disseminado: o falso moralismo. Exatamente, a hipocrisia chegou ao único reduto que conseguira manter-se intacto: a moral. Principalmente, esse ódio comum aos Estados Unidos. Essa paixão pelo socialismo, aprofundado na época da faculdade. Lá todo mundo é comunista, todos querem o bem geral da nação. Marx ficaria decepcionado se pudesse visualizar suas frases célebres em subnicks do Messenger, nas Sortes de Hoje do Orkut. Inútil tecnologia, veja o que fez! Espalhou ideologias, semeou ideias, tão infundadas! Foi você, tecnologia, a principal arma do capitalismo, foi a partir de você que ele pôde exercer sua soberania e mercantilizar as ideias anarquistas! Todos são fãs de Che, conhecem citações do Renato, Raul e Cazuza, são adeptos do estilo de Bob. Pergunta: quem segue suas ideologias? Outra pergunta: por que gostam das suas ideias? Porque tá na moda.  É cool vestir uma camiseta do Che, é cool usar pulseira do Bob. Todos vocês gostam deles, acham que foram caras legais, sabem duas ou três frases, mas chegam na esquina e xingam o primeiro cristão que lhe pisar o pé. Não se importam com o futuro da nação. Detestam a potência, mas consomem, involuntariamente, pois há virou hábito, seus produtos industrializados. Terceira pergunta: o que você come quando vai ao shopping? Coca-Cola e McDonald’s. Não! Nem gosto de Coca-Cola, nem do McDonald’s. Eu só bebo Pepsi e como no SubWay ou no Burguer King. Parabéns! Você resiste aos chefes do consumismo, mas não está imune a ele. Ótimo exemplo de revolta: Pepsi e Burguer King. É assim que manifesta seu protesto? Que diferença faz a marca registrada? No fim, é tudo a mesma merda. Todos eles, todas essas lojas, são todas iguais. Todas. E você pensa que é o tal porque não consome Coca-Cola e Mc Lanche Feliz. Pense na cena: você todo do contra, com uma bela camiseta do Che comprada naquela multinacional, sentado na praça de alimentação com uma bandeja do Habbib’s e um copo de 500mL de Pepsi. Muito bem! Está honrando seus ideais!
Assim caminha a juventude. Cheia de falso moralismo, de falso idealismo. Estamos todos contaminados por esse mal inexorável. Não condeno que seja consumista, longe disso. Afinal, é o carro chefe do mundo. O que seria de nós não fossem os tablets e IPhones? Mas o que não pode é fingir que é contra isso, posicionar-se à esquerda, declamar uns ais de revolução, e ficar por isso mesmo. De que adianta palestrar sobre a Geração Coca-Cola do Renato se o que você, no fundo, quer é esse dinamismo, esse consumo. E sei que você quer. Não precisa mentir, você gosta de tudo isso. Mas diz que não. Porque é cool não gostar. E você assume que não, mas seus atos mostram o contrário, eles lhe traem e exibem suas verdadeiras vontades. Hoje vamos assim, de IPhones conectados – dar as mãos é obsoleto -  representando a hipocrisia do falso moralismo. Vamos você também, ficar de fora é démodé

quinta-feira, 26 de maio de 2011



Aquela nuvem parecia uma baleia. Bem ao estilo Moby Dick, uma daquelas imagens que vemos quando crianças e ficam guardadas na memória. Como quando você sente o cheiro de algodão doce e lhe vem à mente aquele dia de primavera no parque. Foi assim. O céu estava claro, de um azul límpido, pela primeira vez depois de muitas semanas de chuva, e aquela nuvem solitária pairava numa paz imperturbável. Instantes depois, um vento brincalhão, sem nenhuma intenção maldosa, só uma brisa suave levantando meus cabelos, e aquela baleia se foi. Era uma vez uma baleia. Um sopro do destino, um retoque do azar. Acabou. 

terça-feira, 17 de maio de 2011

Tuas mãos, tão quentes. Teu sorriso torto. Cativavas-me de um modo tão incomum e intenso, eras diferente. Deveras pudesse explicar o inexplicável. Anseio de compreender o indizível. Assimilar os segredos que a mim confiaram teus olhos. Essa dádiva não me foi concedida. Que tortura, que tormento! Quão ensandecida fiquei ao me ver cercada de tão doces carícias, com tuas quentes mãos! Quão alienada sentia-me ao admirar teu torto sorriso sob a lua. Nossa confidente. Tua amada. A ela segredávamos as lascívias dos nossos encontros. E só com ela eu vivia, só enquanto ela pairava calma e serena, porque só com ela eu tinha a ti. O amanhecer infligia-me um não sei quê de amargura e tristeza. O sol trazia-me dor, e aspirava a cada segundo por te poder encontrar novamente no nosso Paraíso. Nossas noites no Paraíso. Baixava os olhos e em instantes você galgava os degraus, rígido, tenso. Nervosismo passageiro. Que metamorfose operava-se no teu humor! Logo era outro homem, o meu homem, aquele que me entorpecia com seu hálito convidativo. E as noites tão curtas. Fugidio, escapava-me por entre os dedos quanto mais te apertava para te prender junto a mim. Por que foges, amado? Que alarme soa em ti avisando a hora de ir? Cerro as cortinas, tentativa inútil de reter por mais alguns minutos teu perfume doce e desencadeador dos meus enlevos. Mas aos primeiros raios da estrela maior já te tornas enevoado. Sombra iluminada a vagar pelo quarto. E vai-se. Solidão e temor sufocam-me sem ti. Memórias outrora esquecidas ressurgem para me assombrar. Que culpa tive eu, amado, por esquecer o cianureto sobre a mesa? Por acaso foi com más intenções que o derramei em teu vinho?! Ah, meu querido, essas imagens malévolas e arrogantes maltratam-me, humilham-me! São perversas, cruéis, não as mereço! Queria estar junto a ti, afogar-me em teus beijos todas as horas do dia. Perder-me entre teus cabelos, overdose do teu cheiro. Oh, manhã cruel! Torturas incabíveis habitam sob a luz do sol e já não posso conter-me. Quero a noite, quero a lua, quero a ti, abarcando cada centímetro de minha pele, inundando meus sentidos, sorvendo tudo de ruim que passei. Viver só para ti e contigo. Noite eterna, Vida eterna em teus braços. Não o posso conseguir aqui, nesse mundo de luz, cheio de som e fúria, preciso de outro lugar, mais quieto e calmo, confortável, para sermos sublimes. Preciso do nosso paraíso! Eternamente, no nosso Paraíso. E com os contatos certos, foi fácil encontrar alguns miligramas de estricnina. Suponho que irrisórios 140 mg serão suficientes. Em breve, muito breve, em instantes estaremos juntos, amado. Estarás vindo para mim com a costumeira linha tensa entre os lábios, com as ínfimas rugas de desconfiança. Nós, meu amado, só nós. Eternamente sem sol, unicamente a luz pálida da nossa Lua. Para sempre, sempre, sempre...

Responda-me: já se decepcionou com alguém? Inúmeras vezes. Já teve expectativas frustradas? Mal se lembra quantas. Eis um erro cometido pela massa. Para construir uma vida mais amena, para suportar as atribulações, apoiamo-nos em outrem. Esperamos que o outro também seja assim, queremos, ansiamos que eles também se apoiem em nós, para equilibrarmos a balança – tudo tem que ser na ponta do lápis, toma lá, dá cá. Oferecemo-nos para levar as compras, ouvimos todas as mágoas, atribuímos responsabilidades, sempre com uma esperança, sempre nutrindo uma idealização. Depois de algum tempo, irão nos retribuir. Dar-nos-á carona, apresentará soluções a nossos problemas, emprestar-nos-á algumas somas em dinheiro. Ledo engano. Não importa o quão bom você é para uma pessoa, nunca deposite esperanças demais, não crie muitas expectativas. Elas não serão correspondidas. Se os forem, será de um modo falho e inútil. Não adianta. É assim. Você sempre dá, nunca recebe. E então, a balança pende para um lado. Equilíbrio perturbado. Mas você acredita na bondade, haverá uma luz no fim do túnel. “Invés de luz, tem tiroteio no fim do túnel.” Renato profetizara. E exatamente isso encontrará. Não haverá cavalheiros e senhoras boazinhas que te ajudarão a crescer. Ele não segurará sua mão. Elas não suportarão suas lamentações, ponto. Mas continua. Não quer enxergar, não aceita. Ainda tem fé na humanidade. Ainda crê em boas intenções. Extinguiram-se há muito tempo, lamento. Procure pelos quatro cantos do mundo, em qualquer hemisfério, não encontrará. Todas as relações norteiam-se pelo interesse, rede de intrigas para conseguir a melhor posição, jogo de mentiras para derrubar o oponente. Cada um quer o melhor para si, e assim que deve ser. Numa análise mais profunda, pense bem: suas intenções também são interesseiras. Veja, se esperava ser retribuída pelas suas ações, pela amizade que devotara, então é porque queria algo em troca. Interesse. Só foi ingênua em pensar que essas normas ainda são válidas. De qualquer modo, está presa nesse mundo de hipocrisia. Até mesmo você, julgando-se a perfeição personificada, corrompeu-se pelas instituições levianas as quais nos comandam. Agora tem uma escolha a fazer. Continuará com essa postura inocente de amor ao próximo, tendo suas expectativas frustradas, todas, sem exceção? Assumirá uma política de ataque, defendendo-se das esperanças? Seria o melhor a fazer. Calma, ainda restarão algumas alegrias, deveras encontre algum resquício de lealdade pelas estradas. Entretanto, Humberto já deixou sua marca: “Não levo fé nenhuma em nada.

Happy Friday 13th!

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Gato preto, escadas, existem mil e uma superstições sobre a Sexta-feira 13. 
Mas nenhuma é tão real e assustadora quanto o fodástico Jason!





Uma desastrosa e perigosa Sexta-feira 13 pra todos! (:

Paz no Ibirapuera

quinta-feira, 12 de maio de 2011

- Então, preparado pra passeata? 
- Que passeata?
- A passeata pela paz, neste domingo, no Ibirapuera!...
- Ah, não, vou passar longe!
- Por quê? É uma bela causa.
- Não, não, tô fora, não acredito na paz.
- Que isso, rapaz? É só uma passeata, não precisa filosofar.
- Não tô filosofando, só entro no que acredito. Não vou participar de uma passeata pela paz só pra parecer bacana.
- Não pra isso, mas pra mobilizar as pessoas.
- A quê? A viver em paz? Não nascemos pra ter paz. Isso não é um atributo dos humanos. Os homens nasceram pra guerra, pra inquietação, pro movimento, não pra paz.
- Não entendo. E as pessoas que viveram pela paz? Os grandes líderes religiosos?
- Isso não é paz, é outra coisa.
- Eu acho que a humanidade ainda viverá em paz.
- Quem acredita nisso ou é ingênuo demais ou é pilantra. O mundo precisa é de guerra. São as pessoas nervosas que mudam o mundo, que fazem a roda girar
- E Gandhi, Jesus, Buda?...
- Gandhi ok, talvez. Jesus não, era um subversivo, um riponga porralouca, bagunçou o coreto do império romano, pregava o amor livre
- "amai-vos uns aos outros"...
- E aquela imagem de Buda em meditação eterna?
- Aquilo não era paz, era sobrepeso. Como o cara não podia se mover, ficava lá, paradão, só curtindo, tirando onda de sereno. A paz não tá com nada, já falei. Puro marketing.
- Como assim, marketing? - Tem causa mais simpática do que essa? É claro que isso angaria a simpatia dos normais. Fale sobre a paz em um show, uma peça, uma conversa de bar e você verá o efeito que causa nas pessoas. Alguns são até capazes de chorar.
- Você tá é amargo, isso sim.
- E você tá crédulo demais pro meu gosto. Não há nada que venda mais que a bondade, meu caro. Vá a uma livraria, veja quantos livros falando de amor, de compaixão, do bem contra o mal... Balela, tudo balela.
- O bem existe, não é balela.
- Mas o mal é mais forte.
- Eu acredito na paz.
- Eu não.
- ...
- A paz vende, meu caro. A paz é um bom negócio. Se bobear, mais rentável que a guerra. 
- Eu também não acredito em paz plena, mas acho que um gesto como esse, uma passeata, as pessoas de branco, mãos dadas, tem um simbolismo forte...
- Tem, tem sim... O cara vai à passeata, dá as mãos a um estranho, fala manso e, na volta para casa, arrepia no trânsito e xinga o primeiro cristão que cruzar seu caminho, que não lhe der a vez, que buzinar nas suas costas...
- Deus do céu!...
- Você acha que neguinho tá preocupado com a paz no mundo? Tá preocupado é com a paz no seu mundo, seu mundinho, seu conforto de condomínio, todos com medo do entorno. Escreve aí, essa passeata é um ato de egoísmo.
- Isso pra mim tem nome, é amargura.
- Então tá, vou organizar uma passeata pela afirmação da amargura... Estão todos muito felizes, todos muito empenhados nessa cruzada pelo bem-estar, pela paz... Mas na real, no dia a dia, nego só quer o seu pirão primeiro.
- Eu acredito na paz.
- E eu em duendes.
- Pra mim chega, você tá impossível hoje. Tchau, fica com Deus!
- Vá com Ele. E descanse em paz!

sábado, 30 de abril de 2011


Tudo estava tão complexo. A vida se esvaia a doses largas, e só podia sentar e esperar. Esperar. Mas o quê? Sem anseios nem expectativas, esperar pelo quê? Esperar por quem? Com a cabeça nas nuvens, seus pés andavam sem saber a direção. E num momento distraído, numa interrupção das divagações, um barzinho na beira da estrada chamou-lhe a atenção. Tinha o estilo rústico, banquinhos e mesas de piquenique. No segundo patamar, mais algumas mesinhas de ferro cobertas por toalhas xadrez. As pessoas espalhavam-se entre gritos e risos, cafés e cervejas. Não precisou olhar o relógio para saber que a noite já estava avançada. O brilho da lua banhava toda a cena com sua palidez prateada. Imaginava-se sozinha àquela hora. Sentia-se sozinha. Mas os carros na avenida ainda cortavam o horizonte. Tantas e tantas pessoas ainda circulavam por ali, que ficou desnorteada. Letreiros de neon enfeitavam as fachadas vazias da manhã. Lembrou-se da Legião: “Você passa dia e noite e sempre vê apartamentos acesos”.  Tipos tão diversos entravam em seu campo de visão, fora transportada de um mundo escuro para outro cheio de luzes e sons, sabores e odores à espera para serem descobertos. Notou, então, que jamais andara pela cidade à noite. Nunca notara a metamorfose que se infligia à aura daqueles lugares. Nunca percebera o turbilhão que se seguia após o expediente de trabalho. Exato, depois do trabalho. O que movia aquelas pessoas até ali? Tinham trabalhado durante toda a manhã, não estariam exaustos? Teriam problemas, decerto, então por que não estavam em casa tentando resolvê-los? Por que não estavam lamentando a vida, tão sofrida como só ela consegue ser? E como relâmpago numa noite escura, descobriu a resposta. Sim, tinham problemas. Sim, sofriam com seus amores secretos, com suas contas atrasadas. Por isso estavam ali. Por isso reuniam-se à noite. Para afastar os medos e angústias, para fugir à realidade. A noite funcionava como uma válvula de escape a todo furor e toda irritação do dia. Então por que ela observava aquelas cenas com tanta estranheza? Era a única infeliz por ali, sem dúvidas.  Então por que estava infeliz? Repensou. Não valia a pena. Realmente, estava sofrendo à toa. Motivos fúteis? Masoquismo? Autoflagelação? Nada disso. Eram bem reais, mereciam demasiada atenção. Mas sofrer como ela estava não resolveria os problemas. Então, que se foda o mundo, que se foda a minha dor. Saiu da sua bolha conturbada e sombria e adentrou os holofotes. Atravessar a rua foi o suficiente para se contaminar com a alegria, com a euforia daquele ambiente. Nunca imaginara que essa cidade cinza e mórbida durante o dia, saturada de fumaça e tristeza, pudesse sofrer tal mudança, pudesse impor tal mudança na alma d’uma pessoa, afundada em trevas e solidão como ela estava. Agora tinha uma amiga, conquistara sua liberdade. A noite da cidade tornou-se sua confidente,
 a mágica noite na cidade que nunca dorme.

terça-feira, 26 de abril de 2011


“O homem, como os antigos reis do oriente, não se deve mostrar aos seus semelhantes senão única e serenamente ocupado no ofício de reinar – isto é, de pensar.”

Fradique Mendes, numa carta a Oliveira Martins, de 1883.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

 
Ela sabe muito bem o que quer.
Ela sabe o que precisa fazer
e vai à luta (não escuta ninguém).
Ela sabe muito bem
o que é que se espera de uma mulher,
mas não quer nem saber...ela manda ver
(...)
Vai à luta e não escuta ninguém,
nem
a maioria esmagadora, voz da razão,
bom-senso, uníssono ensurdecedor.
Na lua cheia ateia fogo às próprias vestes
só pra acordar de bom humor.

(Ela Sabe - Engenheiros do Hawaii)
 De uma hora pra outra,
De pernas pro ar.
Sua vida inteira,
Não estava mais lá.
Cadê? Sumiu.
Passou, nem viu.
Era a cegueira já na beira do abismo.


(Alça de Mira -  Engenheiros do Hawaii)
Por que não me deixa ver teus olhos? Não posso lê-los, e isso me deixa confusa. Quero ver tua alma, saber o que se passa em tua mente. Mas teus olhos, eles são segredo. Mistério profundo, preciso desvendá-los. Você é nublado, é sombrio. E eu aqui, clara e límpida perante a ti, não escondo nada. Meus olhos não se escondem, abrem meu peito e revelam tudo. Minha boca mente, porque é necessário mentir, é necessário disfarçar o que meus olhos exibem. Mas tu não me mostras nada. Ficas escondido na tua escuridão, não posso definir se mentes, não posso ver a veracidade de tuas palavras, porque não posso compará-las com teus olhos. Oblíquos e nublados e sombrios. Sê claro,  límpido. Eu sou impecável, com olhos que me despem e te exibem os devaneios de minha mente. Sorte minha que não és bom leitor de olhos, e é preciso sê-lo. Sê leitor de mim. Desvenda-me. Sou tão visível, tão aberta, e ainda não me lês, pobre de mim. Precisamos nos ler, é fundamental. Abra-se para mim, quero ler teus olhos, tão oblíquos. Desembaça teus olhos, quero-os claros. Vamos, quero teus olhos, quero-os reflexos de tua alma, sem segredos, desvendar teus mistérios ocultos, invadir tua mente, invadir-te pelos olhos.

sábado, 9 de abril de 2011


Há um corpo estranho na sala. Tanto tempo eu não venho aqui. Até parece um outro mundo, mais poeirento e cheio de sombras. E tantas vezes relutei em aparecer, porque o meu medo vivia esquecido e tão sombrio dentro de mim. Mas naquela hora, sob a luz prateada e pálida da lua, aquele corpo pálido e outrora quente e pulsante, trazia-me à memória dias quentes de verão. Quando pensava nesse verão sentia uma enorme repulsão e tentava a todo custo esquecer o que havia acontecido. Dentro de cada sala havia um pedaço daquela história que tanto me perseguia e eu tantas vezes fugia sem deixar endereço.

Voltando aqui, depois de tanto tempo, não esperei encontrá-lo. Havia fugido, deveras. Ledo engano. Não conseguiu escapar, não fora tão forte e resistente quanto minha alma agora afundada no vácuo. E quanto mais pensava em torná-lo irreal, mais lembranças apareciam de forma distorcida e perene. Muitas vezes lutei contra mim, dei a alcunha de mimfobia, mas não sabia como classificar-me, eu sou um medo oculto. O medo de meus impulsos fora superado. Tomei a bagagem e vim. Vim para relembrar aqueles dias austeros e fugazes. Agora essa atmosfera densa envolvia aquele corpo. Um corpo tão querido e tão amado e tão desejado. E quanto desejo. Era pura atração. Era todo instinto.

Aquele tempo se fora. E ainda estou aqui estatelada revivendo momentos que tantas vezes fui obrigada a apagar dessa memória oriunda e tão banal. Não sei se chamava por um Deus, só sabia que buscava a fé que nunca havia tido. Eu rezava. Implorava e tentava convencer-me de que não fui a dona de um “crime perfeito”. Não fora eu. Não sou eu. Não quero ser assim. Não vou ser assim.  Entretanto, o passado não volta, não é? O tempo não regride. Não há como eclipsar o que foi feito.

O que devo fazer? Devo contar? Não sou um ser vingativo e odiento. Lembro-me que fora subestimada por todos por dizerem que não seria capaz de fazer o que fiz. Mas fiz. Olhando aquela lareira desenhei meus sentimentos sob o fogo e vi que sou sim vingativa e faço questão que fiquem por saber sobre mim.
 E detalhei em meus pensamentos sórdidos o que havia feito. O tempo passa e a memória se apaga. Não a sua memória. Não as suas palavras. Lembro-me muito bem das frases curtas e cruéis. Fraca, covarde. Eu, querido? Justo eu que por tanto tempo lutei e sobrevivi às tempestades? Tolo. Subjugou-me. Não deveria ter feito isso. Não deveria ter dito isso. Agora que dei vazão aos meus ímpetos, agora se sente culpado? Tarde demais. Quando bati à sua porta estava com um ar límpido na face, espantou-se ao me ver mas não deixou de exibir o sorriso indefectível que por tanto tempo fora meu paraíso. Realmente esperei que não estivesse aqui, não queria fazer isso. Mas era necessário, era fundamental.

Sentamo-nos na sala. O sol se punha, crepúsculo dourado banhado em tons de rosa. Aura romântica que um dia embalou nossos carinhos vis. Não hoje, e depois de tudo. Hoje o espetáculo é meu. Hoje é meu dia de te subjugar. Veio para mim, como uma presa caindo nas teias do seu predador. Inocente cordeiro atraído pelo charme da raposa. Deixou-se cativar. Pertenceu-me. E no momento de êxtase, quando cada centímetro de pele vibrava com os tremores que lhe percorriam o corpo, a lâmina afiada duma faca de dois gumes encontrou seu destino. Aquele líquido quente e doce esvaia-se desse corpo quente e perfumado. Cheiro de lavanda, recém-saído do banho. Agora meu olfato era inundado pelo leve odor da ferrugem, inebriante e envolvente, afogando-me em sensações inesperadas.

Sua voz sumira. Não tinha como gritar, faringe com corte profundo. Tentava desesperadamente impedir o sangue grosso de lhe abandonar, tentativa frenética de reverter o caminho natural. E eu assistia a tudo impassível, nenhuma ruga de preocupação, nenhum sinal de arrependimento. Ele pedira por isso, ele procurara por isso. Ora, eu não sou covarde. Tivera sua comprovação.
O ambiente agora parecia calmo. Partículas suspensas dançavam sob os raios de luar que entravam pela janela. E o corpo estranho permanece ali. Um corpo estranho mas conhecido há tanto tempo. E quanto tempo. E como era bom aquele tempo. Fiquei parada analisando os caminhos desenhados sobre aquele corpo pálido que um dia fora tão viril. Imaginei que em cada espaço havia um cheiro meu e uma risada involuntária perpetuou em mim e não queria ter sido assim, queria ser mais pura e mais calma como achavam. Havia atribuído a mim o cognome de “santinha” e isso era imperdoável.

Fui embora. Levando comigo toda dor que tu externaste quando aquela lâmina prata roçou sobre o teu corpo. E fui como se nada houvesse acontecido. Afinal, era apenas mais um corpo estranho, como sempre, não conhecia nada. Eu não havia visto nada. Era apenas mais um alterego que sentia nojo dos homens que achavam que mulheres eram seres descartáveis.


(Dhay Souza & Ananda Ribeiro)

quinta-feira, 7 de abril de 2011


"Sempre assim. Você vem e vai, vem e vai. Um pêndulo, vem e vai. Vem e vai. Assim. Sempre. Mas assim. Assim não dá. Eu quero, vem e fica. Vem e não vai. Não dá. Eu preciso. Você vem. Mas vai. Não dá, vem e fica. Fica assim, quietinho. Fica assim, meu bem. Vem e fica. Não vai. Vem e não vai. Não dá, não pode, não consigo. Eu quero assim, só vai assim. Você aqui, bem pertinho. Eu e você. Assim. Pertinho. Quietinho. Quentinho. Carinho. Bem pertinho, muito carinho. Vem, meu bem. Vem.  Assim, vem. Não vai, não dá, nada brusco, nada rápido. Devagar, assim. Carinho, meu bem, pertinho. Vem, não vai. Vem, fica. Mas você vem e vai. Não vai, fica. Quietinho, pertinho, carinho. Muito carinho. Vem e fica. Fica assim. Assim. Só. Assim. É. Assim."



sábado, 2 de abril de 2011


Loucura, eu sei. Mas o que posso fazer? Não tenho forças para lutar. Não depois de tudo. Jogo perigoso, muito arriscado. A sensação da adrenalina. Endorfina paralisando a realidade. Veneno letal que me transporta para outro patamar. Algo mais elevado, mais profundo, mais intenso. E era tangível. Tão rígido quanto o próprio diamante. Era tão escuro quanto o abismo de dor e desespero. E lá no fundo, de uma simples revelação, surgiu. Uma pequeníssima luz, mas intensíssima. Arrebatou-me. Não pude fugir, era o anseio de toda uma vida que agora me apresentava como a mais proibida das brincadeiras. Afinal, era só brincadeira. Não, não era. Era de verdade. Muito real. Mas essa realidade era diferente. Era melhor. Era saborosa e excitante. Então eu fui. Entreguei-me a essa realidade que extasiava a outra realidade. E vivendo entre dois mundos, oscilando entre duas vidas, tudo estava equilibrado. Um tênue equilíbrio. Dançando na corda bamba. É arriscado. É perigoso. Mas não posso pôr fim. Não posso acabar com esses delírios, com esses devaneios. Tudo bem, eu me arrisco. Por você, eu me arrisco.
E hoje, mais do que nunca, preciso de uma overdose. Não importa do que, mas algo que mexa com meu cérebro e me desligue do mundo. O sono é um bom caminho, mas lá vem os sonhos para me despertarem e lembrarem-me. E depois do sono, a realidade ainda continua lá, tangente e aguda. Quero alucinógenos, quero excesso, quero tudo que me deixe sem nada. Sem emoções, sem lembranças, sem mágoas. Quero uma boa dose de cocaína, só hoje. Quero voar dentro do apartamento. Quero elefantes e cobras. Quero cogumelos coloridos. Quero visões psicodélicas. Preciso desse momento. Preciso extravasar. Hoje, mais do que nunca. Hoje, depois de tudo, não há mais nada a ser feito, e tanta coisa para fazer. E tanto, e tantas, e tudo. E sempre, e forte, e dor. Cansei de você, cansei delas, cansei de mim. Cansei de fazer o que não quero. Cansei de obedecer, cansei de atender. Quero nada. Quero vazio. Quero a alegria que há tempos fugiu. Quero o vácuo, melhor do que tenho aqui dentro. Quero a overdose que me liberte de mim mesma. E hoje, mais do que nunca, preciso ser liberta.


   As divagações sobre o mundo são tão complexas. Homem máquina, homem bicho. Sociedade, dinâmica econômica, lógica capitalista. Política, ditadura, democracia. Afinal, de que serve tudo isso? E de que serve esses paradigmas paradoxos? De que serve padrões e definições? De que serve etiqueta e comportamento? Decidir sua vida. E isto não está errado? Como podem definir sua vida? Como podem ditar suas regras? Por que não pode beijar seu professor? Por que não pode comer porcarias? Por que não pode dar para quantos quiser? Poder, eu posso. Certeza que pode? Aposto que não. Vai ser julgada, apontada, humilhada, execrada. E isto está errado! Somos todos produtos de estereótipos falsificados e obsoletos. Ninguém por aqui tem vontade própria, todos somos guiados e, inconscientemente, forçados a escolhermos o que nos for conivente. E não adianta contestar, não adianta revolucionar. A história é essa e ponto. Nada de “ninguém me influencia”. Querida, você é pura máscara. Você não passa de alguém que foi modificado desde o nascimento. Deixa de lado esse papo de identidade, ponha o pé no chão e tire a cabeça das nuvens. Acorda, por favor. Será melhor para você, acredite.

domingo, 27 de março de 2011

 "Eu queria manter cada corte em carne viva, 
a minha dor, em eterna exposição.
E sair nos jornais e na televisão,
só pra te enlouquecer, até você me pedir perdão."

Leoni
O que você pensa que está fazendo quando fica três horas trancada no banheiro arrumando aquele fio de cabelo? Por que perde duas horas para decidir entre esta ou aquela blusa, entre o peep toe e o scarpin? Para quem você põe quilos de maquiagem? Diga-me, qual seu objetivo? Ficar bonita, certo. Mas para quem? Isso que eu quero saber. Para seu namorado? Não, querida, você não faz isso por ele. Faz isso para simplesmente alimentar seu ego. Faz isso para despertar inveja nas suas amiguinhas, para atrair olhares de outras mulheres. Sei que é isso. Afinal, seu namoradinho pouco notou se usa um salto plataforma ou meia pata. Ele não está interessado nas roupas que usa, está ansioso para acabar todo esse teatro e te ver sem roupa. Realmente acredita que ele gosta de desfilar com você? Qual é! Ele te quer só para si e do jeitinho que ele quer. Ele te quer de pernas abertas e boca fechada. E então, pouco importa o que usava antes. Ele tem raiva das suas roupas, quer rasga-las. Tem raiva dos seus sapatos porque deixam seus pés ásperos. E você ainda diz que perde todo aquele tempo para satisfazê-lo? Não, essa desculpa é ultrapassada e obsoleta. Vamos lá, admita. Você é apenas um molde, vazio e oco, que se ocupa em aperfeiçoar os detalhes porque o único gozo que consegue é sentir a aura de inveja e estupefação que te segue. Você é egocêntrica e desprovida de quaisquer emoções fixas. Tudo em você é volátil, tudo se esvai ao mais leve sopro de bondade. Não tem coragem para expor seu lado obscuro, precisa manter as aparências. Mas dentro de si esconde os piores pensamentos. Regozija-se ao superar alguém, ensandece ao ser ultrapassada. E por isso tornou-se tão vaidosa. Seus dotes intelectuais não eram bons o suficiente para ficar em destaque, aperfeiçoou os donativos físicos. Coitada. Nunca será lembrada. Vai padecer na sombra do esquecimento. Porque o tempo passa, e seus cabelos não serão tão sedosos, sua bunda não vai ser redonda até o fim de seus dias. E quando não apresentar essas formas tão perfeitas, será rebaixada ao anonimato. Não suportará a indiferença. Então, por que não aproveita seu auge e sai de cena antes do fim do primeiro ato? Depois do intervalo, será representada a queda do seu império. Não permita! Você é boa demais para decair! Faça com que todos lembrem a sua beleza imensurável! O que acha da navalha do banheiro? É uma boa ideia, não? Seria um belo espetáculo. Aposto que os comentários durarão um bom tempo. Vamos lá, aproveite enquanto está por cima, aproveite a oportunidade! Garanto que não tem nada a perder.

Dhay S.