quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

 

Algumas vezes eu fiz muito mal para pessoas que me amaram. Não é paranóia não. É verdade. Sou tão talvez neuroticamente individualista que, quando acontece de alguém parecer aos meus olhos uma ameaça a essa individualidade, fico imediatamente cheio de espinhos - e corto relacionamentos com a maior frieza, às vezes fico fria, sou agressiva e tal. É preciso acabar com esse medo de ser tocado lá no fundo. Ou é preciso que alguém me toque profundamente para acabar com isso.
(Caio Fernando Abreu, mas é a mais pura verdade)

domingo, 19 de dezembro de 2010


-
 

Get real, please. I wanna be free!

 

- Onde estão os homens? A gente se sente um pouco só no deserto.

- Entre os homens a gente também se sente só.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010






Isso aqui é um sonho. Você acha que não é, porque o seu subconsiente está trabalhando
arduamente para manter todo esse teatro. Mas esse mundo é mentira,
é um produto da sua imaginação! Acredite, você está dormindo, você está sonhando.
E o único meio de acordar, é morrendo.

'cause it's better.

domingo, 12 de dezembro de 2010


"Essa dor era nova, e imensa — muito maior do que qualquer coisa que tivesse vivido até aquele momento. Dobrou seu corpo para trás como uma vara verde, seu tronco se contorceu de um lado para o outro, os joelhos estalaram ao abrir e fechar bruscamente. Os cabelos voaram em grumos e mechas empastadas. Tentou gritar e não pôde. Por um instante pensou que chegara ao fim da linha. Uma convulsão final, com a força de seis bananas de dinamite enfiadas numa pedreira, e lá se vai você, Jessie; a caixa registradora fica na saída à direita."

(Jogo Perigoso - Stephen King)


 

-Garçom, uma dose de vácuo, por favor! 

"What's happenning?", he asks.
"Nothing, nothing.", she lies.
  
É, baby, as coisas se inverteram por aqui .

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Desse espírito [da perversidade], a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano - uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo quando estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é lei, simplesmente porque a compreendemos como tal?

(O Gato preto - Edgar Allan Poe)


Dissimulação reina soberana e insolúvel.


E, no fim, tudo o que eu precisava era de alguém que me ouvisse  
sem me dizer o que fazer
que depois me embalasse confortando o meu soluço, 
que me sussurrasse que tudo vai passar,
tudo, tudo vai passar.

(Dhay S.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Aceite os fatos. Você cresce um dia. E não adianta a mamãezinha ficar te abrigando sob a barra do vestido, porque a vida é cruel, ela rasga laços e fitas. Pois bem, querida, seu filhinho um dia vai embora. Ele um dia terá que trilhar seu próprio caminho. Seja com 16 anos ou 36. Não percebe que tudo o que o impede de alcançar o topo é você? Que a todo o momento segura-o pelos cabelos e obriga-o a não chegar tarde em casa. E quando a realidade aparecer, tarde demais. Ele vai ser um adulto criança. Com o tamanho de um boi e a maturidade de uma ervilha. Assim ele não vai a lugar nenhum! Mas também não pode ficar contigo. O que ele faz? Vai embora, é. Tenta montar a vida, construir castelos. Mas estava sempre tão confiante que nunca precisaria andar sozinho, que nunca soltou a mão da mamãe e as pedras de sustentação foram substituídas por grãos de areia. Atingida pelo vendaval da mudança, a areia se foi. Então onde ergueria seu castelo? Em lugar nenhum, exato. Passará o resto de seus dias na lama. Nadando com jacarés e piranhas prestes a te devorar. E não poderá defender-se. Nunca aprendera a lidar com gente má. Talvez com os fofoqueiros da escola ou os badboys no bairro, mas não com gente má. Gente de verdade, que luta para sobreviver. Gente que está disposta a tudo. Gente que pode trair. Gente que pode mentir. Gente que pode matar. Não com essa gente. Essa gente não estará escondida nas sarjetas, esperando que alguém caia, não. Essa gente está pelo meio da pirâmide, está pelo topo. E assim que ele pisar os pés no mundo real, devorá-lo-ão.  Sem o mínimo de piedade. O mundo não é piedoso, querido. Olhe para frente, enxergue a verdade! Você não está preparado! Não vale a pena lutar! Será massacrado, humilhado, execrado! Você é só um bebê mimado que sempre se escondeu atrás da mamãe. E agora?! Ela não o salvará. Não virá ao seu encontro para te dar colo. Não virá te confortar. Você é bem grandinho, meu filho, resolva seus problemas sozinho. E essa palavra, esse toque, doer-te-á mais que tudo. Ver-se-á numa terra de gigantes. Gigantes malvados, mamãe! Eles querem me comer! Não posso ficar aqui! Pare de chorar e enfrente o mundo, rapaz! Não te criei para ser um fracassado! Tem certeza? Certeza que não o estragou? Talvez ele pudesse ter sido um empresário de sucesso, alguém bem-sucedido. Mas você não o deixou voar. O mundo era perigoso, tinha muitos bandidos pela rua. Não o condene pelo fracasso. O erro foi seu. Única e exclusivamente sua culpa. Agora, assuma a criatura fraca e insossa que produziu. Ele é sua responsabilidade.

(Dhay S.

domingo, 5 de dezembro de 2010



Só enxergo o que eu não posso ter, mas se qualquer dia eu conseguir,  
vai perder a cor, desaparecer, como tudo que me fez feliz.

(40 Dias no Espaço - Leoni)
Um trauma de infância. Mas nele, o efeito foi inverso. Ao ser mordido por um cachorro, podem ter pavor deles. Encontrou uma cobra, enquanto andava pela floresta? Nunca mais desejará vê-la de novo. Tivera contato com essas criaturas muito cedo. Talvez a inocência inibisse o medo, a implantação tardia dos padrões impediu a repugnância daqueles inúmeros olhos, das patas cobertas de pêlos. A hostilidade familiar obrigava-o a isolar-se nos fundos. Troncos caídos, montes de folhas secas. Ambiente suscetível ao aparecimento de seres marginalizados. Na primitiva sociedade onde ele convivia, considerar-se-ia à margem, também. Então, ali estava em casa. Desenvolveu o gosto por aranhas assim que se viu emaranhado numa teia e prestes a ser atacado por inúmeras. Sem gritos nem histeria, somente movido por pura intuição e curiosidade, desfez-se da armadilha e, com cautela, aproximou-se daquelas que há pouco seriam seu carrasco. Organizadas, diferentes, cheias de patas! Serviriam como um bom objeto de estudo. Livros eram seu universo. Leu e absorveu tudo o quanto pôde encontrar. Incríveis, magníficos animais! Aracnofilia era a sua doença. Começou pela teoria, mas preferiu a prática. Montava esconderijos para suas amigas, alimentava suas crias. Essa era, particularmente, a parte mais excitante. Via-as liquefazendo as vítimas, deixando o exoesqueleto exclusivamente intacto. Se pudesse, ficaria os séculos observando aquele espetáculo. Mas o tempo passa, não é? E para ele não seria diferente. Cresceu, ampliou horizontes. Conheceu novos animais, aprendeu novas técnicas. Mas as aranhas nunca deixaram seu centro de atenções. Escorpiões, gafanhotos, lagartas, libélulas, nenhum desses oferecia a seu paladar requintado o mesmo prazer que os aracnídeos. No entanto, eram criaturas muito pequenas. Mesmo os maiores espécimes da sua diversificada coleção por vezes entediavam-o. Além disso, tinha um desejo incontrolável. Era mais do que vontade, tornou-se necessidade, obsessão. Quem seria seu voluntário? Difícil encontrar alguém. Como estava no ramo da bioquímica, em contato com hospitais e necrotérios, foi relativamente fácil encontrar um cadáver abandonado, com o pretexto de testar uma nova droga. Começou com cadáveres, sim, mas sentia falta do calor. O contato gélido repugnava-o. Gostava de sentir a temperatura elevada das atividades físicas, de sentir o pulsar do sangue nas veias. Então passou a capturá-los vivos. Crianças com mais freqüência, adultos quando estava faminto. Suas amigas ofereciam-lhe todo o veneno necessário. Tentou criar algo parecido, mas nada era tão eficaz na liquefação dos órgãos quanto o produto original, fabricado pela própria Mãe Natureza. Infelizmente, não tinha presas naturais, recorria às adaptações. Seringas em diferentes partes do corpo aceleravam o processo. Todo aquele teatro enchia-lhe o coração de emoções nunca antes experimentadas. Vê-las debatendo-se enquanto os tecidos viravam sopa de verduras era algo intangível. Quando a sopa estava pronta, abria uma fenda à altura do umbigo e embebia-se naquele sumo de células e líquidos viscerais, com o sutil sabor do veneno que não lhe causava mal algum. Sua estrutura adaptou-se à rotina. Não sentia atração pelos pratos mais requintados, no entanto enchia-lhe os olhos a visão de alguma criatura suculenta. Descia cada vez mais, abdicando da carreira bem sucedida. Vivia pelos becos, à espreita de algum mendigo ou prostituta descuidados. E decaía. E sucumbia. E já não era humano. Não, aquilo um dia fora humano, num passado bem remoto. Não se poderia chamá-lo de Homo sapiens. Asqueroso, insalubre, insano. Vivia pelos instintos, atacava conforme necessitasse. Um ser criado pelo vício. Não o tabagismo, ou alcoolismo. Era a Aracnofilia. A aracnofilia mais explícita e completa que se pode imaginar. Observava, estudava, absorvia tudo sobre aracnídeos, mas a sua paixão era tão intensa e descontrolada, que não se conteve. Queria aranhas, tornou-se uma.

(Dhay S.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010



"Tudo bem, garota, não adianta mesmo ser livre, se tanta gente vive sem ter como comer. Estamos sós e nenhum de nós sabe onde vai parar. Estamos vivos sem motivos.  
Que motivos temos pra estar?" 

(Infinita Highway - Engenheiros do Hawaii)

terça-feira, 16 de novembro de 2010



"E há tempos o encanto está ausente e há ferrugem nos sorrisos. Só o acaso estende os braços a quem procura abrigo e proteção."

(Há Tempos - Legião Urbana)
"É você olhar no espelho, se sentir um grandessíssimo idiota, saber que é humano, ridículo, limitado, que só usa dez por cento de sua cabeça animal. E você ainda acredita que é um doutor, padre ou policial, que está contribuindo com sua parte para nosso belo quadro social."

(Ouro de Tolo - Raul Seixas)

"Já estou cheio de me sentir vazio, meu corpo é quente e estou sentindo frio. Todo mundo sabe e ninguém quer mais saber, afinal, amar o proximo é tão demodê."
(Baader-Meinhof Blues - Legião Urbana)



"Nosso suor sagrado é bem mais belo que esse sangue amargo e tão sério e selvagem."

(Tempo Perdido - Legião Urbana)


"Nas noites de frio é melhor nem nascer, nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer"

(O Tempo Não Pára - Cazuza)
"Eu quis o perigo e até sangrei sozinha, entenda."

(Índios - Legião Urbana)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Egoísmo. Simples e puramente o egoísmo. Se não tivesse sido tão mesquinho e egoísta, todos estariam bem. Era um garoto calmo, prestativo, condescendente. Raras as vezes em que perdia a cabeça, contava-se nos dedos todos os gritos de ira que já dera durante toda a vida. Aquela época era diferente. Estava cego. Estava ensandecido. Estava apaixonado. Uma paixão fugaz e quente fervia-lhe no espírito, sensações diferentes de tudo o quanto já experimentara constantemente encontravam-no. Aquela menina sutilmente sedutora, com parte do colo à mostra, curvilínea, estonteante, virou-lhe a mente, revirou-lhe os sentidos. Seu mundo era todo amor. No dia de conhecer o sogro, o criador de tão admirável criatura, coube-lhe parecer servil e assim conquistar toda a família, derrubando qualquer empecilho à elevação do mais sublime relacionamento. Sabia exatamente o que levar. O vinho mais envelhecido da adega particular de seu próprio pai. Ele não se importaria, era apenas um exemplar, ainda teria mais quarenta e nove garrafas. Era por uma boa causa, a melhor de todas elas. Era pelo amor. Afinal este não é o senhor de todos os sentimentos? Não é o criador de todos os outros? Seu pai não pensara assim. Uma simples garrafa custar-lhe-ia muito, seriam cento e cinqüenta anos jogados fora por uma ínfima aventura adolescente. A combinação desses dois argumentos, a mesquinhez e egoísmo misturados com o descaso do seu puro amor, inflamou-lhe a alma. Estava cego, ensandecido, apaixonado. Faria qualquer coisa para conquistar a suprema felicidade ao lado de seu objeto de desejo. Nada muito sofisticado, esperou alguns minutos. O pai estava sentado em frente à lareira, saboreando uma taça de vinho e a nona de Beethoven. Como sempre, olhos fechados e ouvidos desatentos, concentrando-se nos devaneios da mente pessimista. O cego ensandecido apaixonado, tomado por fúria e cedendo lugar aos instintos primitivos, segurou uma das garrafas mais recentes da adega pelo gargalo, quebrou-a numa parede e seguiu. Passo após passo, pés macios e silenciosos. Mão firme, olhos centrados, coração aos coices, mente determinada. A ponta do vidro recém-cortado encontrou sua função na garganta do pai extasiado. Cortou-lhe a traquéia e aorta. Sangue saía em jato do pescoço outrora pulsante do egoísta que lhe negara uma mísera garrafa de vinho. O vermelho tomou conta da cena banhada de luz pelo fogo crepitante da lareira. Cheiro de ferrugem inundou-lhe o olfato. Não estava perturbado, não estava arrependido. Banhou-se, vestiu o terno predefinido, desceu à adega. Apanhou o vinho desejado e saiu para encontrar sua ex-futura família. Estava calmo, estava satisfeito. Chamem-no de psicopata, encaixa-se no perfil. Mas não de louco. Sabia o que queria, conseguiu o que ansiava. Também tem anseios? O modo com que ele conseguira já foi testado e aprovado. Experimente, talvez consiga o que quer.


Dhay S.

terça-feira, 26 de outubro de 2010


Hey litlle dreammer, can you bleed like me?
Ela via. Via o sol nascer, a chuva bater na janela. Via crianças brincando, cães latindo. Via árvores florescendo, folhas caindo. Via o mundo a seu redor. Ela já gostou. Já gosto de sair com amigos, de ter um namorado. Já gostou de correr pela praia, de nadar no mar. Já gostou do sol queimando a pele, da chuva refrescando a alma. Já gostou de estar viva. Ela não sente. Não sente a calma do abraço, o calor do beijo. Não sente a saudade da partida, a alegria do reencontro. Não sente a nostalgia do passado, a esperança do futuro. Porque ela cansou. Cansou da mentira, da enganação. Cansou do teatro. Cansou da hipocrisia, da futilidade. Cansou da brincadeira. Cansou de ser feita de tola, de ser subjugada. Ela se tornou fria e vazia. Ou melhor, vocês a tornaram assim. Sintam-se culpados, sintam remorso. E torçam para não carregar nas costas o peso de uma alma suicida.


Dhay S.
A princípio não aparentara defeitos. Garota perfeita, prestativa, compreensiva, conselheira, amigável, um primor. Mas ninguém lhe conhecia os instintos. Ninguém sabia o que se passava na mente, os desejos que ansiava. Aos poucos foi crescendo-lhe uma revolta, uma indignação com o mundo, com a vida, com as pessoas. Ficou farta da mediocridade na qual se tornara a raça humana. Não se satisfazia com mais nada, nem ao menos com as noites de diversão que costumavam inundar-lhe os sentidos, mergulhá-la em delírios. E com a revolta veio a indignação. Queria fazer algo, mudar alguém, transformar alguma parte. Mas via-se de mãos atadas. Sempre fora tão boa que qualquer mudança de comportamento expirava estresse, ignorância, maldade, falta de solidariedade. Não podia fazer nada, estava presa ao estereótipo que se formara sobre si e à realidade cruel e infame do mundo. Pensavam que não, mas ainda tinha o controle sobre alguma coisa. Sobre sua vida, sobre suas coisas. Se não estava satisfeita com o que via lá fora, com aquele mundo, criaria seu próprio mundo. Foi o que fez. Definiu propósitos, princípios, ideais. Montou e organizou as próprias leis. Seu corpo continuava ali, representando impecavelmente o papel no teatro da vida. Mas a mente, seu ponto principal, não estava. Tinha se mudado para um lugar à parte, um lugar longe de toda essa hipocrisia que vos rodeia, longe da mentira, dessa rede de intrigas que vos prende e enforca, obrigando-vos a participar das baixezas nobres, da sujeira louvável. Não penses que idealizava o paraíso, não queria aquele lugar monótono. Na verdade, não se imaginava vivendo em um mundo perfeito enquanto o corpo ainda estava aqui, não. A mente não criara ilusões. Apenas enclausurara-se dentro de si. Escondeu-se, fechou-se sobre si mesma, construiu uma barreira impenetrável, um muro intransponível. Poderia conviver com seus objetos pessoais, únicas coisas que ainda lhe davam alguma alegria, mas passou a viver na escuridão. Uma criatura isolada de tudo, num cubículo com total ausência de luz, trancafiada e à parte de toda a podridão do mundo, de toda a hipocrisia, mentira, enganação. A possível negritude do seu mundo refletia seu descaso. Descaso com a família, com a escola, com as amizades, falsas e inúteis como descobriu, com os sentimentos. Tornou-se fria, calculista, indiferente. Mudança tão súbita não fora provocada por problemas pessoais. Não era a imagem de si, era o reflexo do todo.
Dhay S.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

No inicio, era uma simples dor. Incômodo na garganta, só isso. Não se lembrara do primeiro dia que sentira aquele formigamento. Veio tão sutil que quando se deu conta lá estava ele. Talvez tivesse começado durante a noite, ou enquanto discutia com a mãe sobre aquele projeto idiota de reformar a cozinha. Realmente não se importara. Não causava incômodo, não o impedia de dormir. Mas não continuou sutil. Aos poucos, a sensação de patas de insetos caminhando dentro de si tornou-se mais acentuada, mais ávida. Até que ficou insuportável. Não eram mais insetos, eram mãos rasgando-lhe o pescoço por dentro, dilacerando-lhe a traquéia, impedindo-o de respirar. Procurou médicos, hospitais de renome, nada foi diagnosticado. Motivo? Não havia nada de anormal por ali. Inúmeros exames e testes realizados, nenhum apontou ao menos uma falha ou infecção. Tudo bem. Não, não estava tudo bem. Ele sentia aquela dor acentuada e aguda. Há dias não dormia, não se alimentava, estava definhando, enlouquecendo. E a dor aumentava. Em constante progressão, sem interrupções, ia dando pontadas e cabriolas dentro de seu corpo. Os pulmões imploravam por oxigênio, mas a passagem estava bloqueada. Uma criaturinha mal-criada e sádica instalara-se ali e não o abandonava. Impedia o tráfego de ar ou alimentos, deixando uma mínima abertura para que seu hospedeiro não morresse asfixiado. Mas não era o suficiente. Ele precisava de mais, precisava recompor o fluxo constante de ar para que suas células sobrevivessem. O problema é que as mãos não sumiam! Continuavam ali, apertando-lhe o pescoço, fazendo palhaçadas enquanto ele enlouquecia. Tormento, tortura. Não suportava tanto! Era forte, sim, mas suas chances eram nulas contra mãos invisíveis, interiores. Lutou, persistiu, suportou até o último fôlego. Estava literalmente sufocando. O ar de seus pulmões esvaia-se a doses largas, tentava sugar o oxigênio da sala bem ventilada, não adiantava. Era só expiração. Era todo desespero. Era o último resquício de vida. As mãos que agora lhe dilaceravam o pescoço eram as suas, munidas de uma faca, tentando sobreviver, respirar. Sabia que em algum ponto abaixo do pomo-de-adão acharia sua salvação, no entanto não era nenhum cirurgião. Na tentativa frenética de conseguir alguns minutos de existência, cortou-se repetidamente, encontrando a própria aorta e o próprio fim.


Ao saber da notícia, a garota rir-se-á. Sua erva realmente surtiu efeito. A curandeira não a enganara. Tivera o destino merecido. Ninguém mandou negar-lhe um beijo.
Dhay S.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Não deveria ter feito aquilo. Sabia dos meus instintos, das minhas inclinações, sabia que só faltava o menor motivo para meus devaneios ganharem forma; mesmo assim, mesmo depois de tantas súplicas, tantos alertas, você me traiu. Se não estava satisfeito, bastava falar. Eu sempre mudei por você, não mudei? Você sempre fora meu maior desejo, ver-te feliz era minha maior ambição. Contigo, pensei que acontecia o mesmo. Ao menos era isso o que transparecia. Sonhos compartilhados, gostos em comum, estávamos em sintonia, éramos a perfeita simetria. Tínhamos a fórmula da felicidade: respeito e confiança. Lembra que planejávamos nosso casamento? Eu sempre sonhei demais, eu sei, mas realmente acreditava que daríamos certo, já que tudo o que eu queria era ter-te a meu lado. E, enquanto eu sonhava, você esquivava-se. Transmitia toda a responsabilidade para mim. Se você quiser, casar-nos-emos; nosso futuro depende única e exclusivamente de suas escolhas e seu comportamento. E então você destruiu tudo. E a que preço? Uma infame noite de diversão. Hipócrita, mentiroso, sem escrúpulos! No final das contas, tudo dependeu realmente de mim. Você me veio com desculpas sem nexo, juras de infinita fidelidade, foi só um descuido, eu juro! Nunca mais me afastarei de você, meu amor! Perdoe-me, perdoe-me! E só cabia a eu decidir o que fazer. Pena que o perdão nunca foi minha virtude. E, além do mais, sua hipocrisia exacerbada inflamou-me a alma. Se não tivesse se mostrado, antes, tão opositor da traição, talvez eu não precisasse estar aqui, causando-lhe este incômodo. Mas veja, eu tenho ideologias, ao contrário de você. E preciso defendê-las. E quanto a você, sua vaca mesquinha e egoísta, sabia que éramos namorados. Se não tivesse bancado a mocinha indefesa na mais vulgar intenção de causar-nos mal, poderia continuar viva. Chamem-me de vilã, fiquem à vontade. Até os prisioneiros têm direito a últimas palavras, eu não os privaria desse privilégio. No entanto, quero que tenham a consciência clara que os culpados por esse teatro são vocês, vermes que poluem a sublime vida de quem tenta seguir as normas. Deixemos de discurso, vamos ao ato. Você quer ser o primeiro, querido? É melhor. Sei que tem uma força descomunal, poderia libertar-se. Você, vaca, quieta, por favor. Preciso de concentração. Deixe-me libertar seu braço, meu amor, necessito dele. Feche a mão, sim? Seja obediente, feche a mão! Tenho que encontrar sua veia! Se o veneno entrar no músculo e não na corrente sanguínea, sofrerá mais, estou avisando. Será um belo espetáculo, vê-lo debatendo-se no chão como uma minhoca cortada ao meio. Inútil tentativa de sobreviver! Isso, obediente como sempre foi. Desculpe-me por isso, mas a culpa não é minha, já disse. Agora você, não pense que sua morte será tão calma. Afinal, se você não fosse tão desprezível, estaríamos todos na cama, com sonhos tranqüilos. Vamos até a maca, tudo bem? Levante-se, agora! Sim, pulsos e tornozelos presos, boca vedada, olhos bem abertos, tudo pronto. Quero que aproveite o show. Tente não chorar, as lágrimas não te deixarão ver como você é linda por dentro. Está sentindo? Olhe, sinta o corte, aprecie o sangue escorrendo-lhe corpo abaixo. Aqui está seu fígado. Ops, acabei de cortar-lhe o rim esquerdo! E este é o teu coração, podre, corroído pela injúria, pela lascívia, pelo mal que sempre causou a todos. Remorso? Não, agora sinto outra coisa. Satisfação, talvez. Alívio de trabalho bem feito. Que me importa as conseqüências? Fiz o que queria, livrei-me desses dois vermes culpados. Eles provocaram a própria morte. Traição não tem perdão, tem punição.
"Sonhei que as pessoas eram boas em um
mundo de amor e acordei
com a Terceira Guerra Mundial"


(Dia Especial - Pouca Vogal)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010








"O corpo quer, a alma entende.
A mente deseja, o coração consente"

(Inspirado em Metal Contra as Nuvens - Legião Urbana)
Pedem-me para falar sobre outras coisas. Mudar de assunto, trocar de tema. Ah, você é adolescente, tem que falar sobre coisas bo(b)as; fale sobre amor, é tão lindo! Não, não é. O amor é ilusório, e só serve para alimentar de baboseiras as mentes das garotinhas sonhadoras ou como inspiração a poetas que têm mania de sofrer. Pessoas não gostam de sofrer pela morte de alguém ou por motivos mais supérfluos, no entanto, fazem questão de exibir as feridas do coração, abrem o peito marcado aos mil ventos, para que outrem sinta pena. Coitadinha, foi traída pelo namorado; calma, não fique assim, um dia ele percebe seu amor. É sempre assim. Elas não querem saber da verdade, preferem esconder-se sob a capa da cegueira a enxergar o mundo como ele é. Acorda! Seu Príncipe Encantado não virá montado num cavalo branco! Não viverá numa casinha branca no interior rodeada de amigas boazinhas! O mundo não é cor-de-rosa! Ele é cinza, perverso, mentiroso, infame, vil, hipócrita e outros milhares de adjetivos. Só o que te rodeia é a guerra, a violência, a ignorância, o egocentrismo, o egoísmo! Não percebes que faz papel de idiota falando a todo tempo o quanto aquela noite foi maravilhosa, ou como ele é tão fofo quando diz que te ama?! A princípio podem suportar tuas lamentações, mas logo, logo, todos se cansam desse papinho melancólico e afastam-se de você. Quem sabe aproximem-se mais, para te explorar, escravizar, aproveitar-se da tua fragilidade. Depois, rir-se-ão de ti, pensando no quanto és tola. Você, sem desconfiar, olhando para tudo com óculos coloridos, pensará: são tão condescendentes comigo, têm tanta paciência! Não, não são boas, são más, mentirosas e aproveitadoras. E assim será o resto de tua vida, sendo subjugada e enganada, a não ser que abras os olhos o mais rápido possível. Vai doer, mas é um sofrimento indispensável.
Dhay S.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Se era alguma criatura sobrenatural, não o soube. Mas o olhar magnético, os lábios sedutores, as íris embebidas em ouro líquido não lhe pareceram humanos.
O palco onde a escolhera não era incomum. Freqüentava-o todos s tipos conhecidos, desde a adolescente vibrante com o bilhete do primeiro namorado à mulher de trinta afogada na primeira crise existencial; da criança birrenta lambuzada de sorvete ao caminhoneiro lascivo manchado de óleo tão negro quanto sua alma. O tipo que ele representava, no entanto, jamais passara por ali. À distância, impunha respeito, autonomia, poder descomunal, um deus que habita o Olímpio. Elizabeth só o percebera quando estava à sua frente, tomando-lhe das mãos o Stephen King que lhe prendia os sentidos.
A princípio, indignou-se com a prepotência de quem se atrevera a despertar-lhe do transe em que se encontrava, mas a revolta se desfez ao fitar aqueles olhos profundos, cheios de um mistério que te obriga a desvendá-lo, prende-te como um cometa na órbita elíptica de um planeta. Não falou, seus olhos disseram-lhe tudo. Levantou-se e saiu. Como um cometa, ela o seguiu. Encontrou-o encostado num Audi preto, ao maior estilo Dan Brown, com os braços cruzados exibindo os músculos protuberantes, de fazer delirar à menor faísca da imaginação. Exibia, ainda, uma máscara rígida, como se sentisse dor aguda e constante. Havia um leve cheiro de ferrugem, o qual a garota não percebeu, tão hipnotizada como estava.
Apresentaram-se formalmente, mas não perderam tempo com banalidades. Ambos estavam ligados de forma tão intensa que chegaram ao ponto máximo das declarações sem ao menos conhecer um terço da personalidade do outro. Chamem de bobagem, de ilusão, de falso amor, mas o que os movia não era nenhuma fantasia de ter encontrado a cara metade. O que os tornava tão íntimos não estava descrito em nenhum poema de amor que tanta gente escreve. O que os prendia ali era a simples atração carnal. Simples pra quem crê que o amor pode ser fruto de amizade e permanecer assim, sem as trocas de calor, sem o ritmo frenético das atividades mais voluptuosas e vis de um casal. Mas para aqueles dois seres, essa atração era maior do que qualquer ligação sentimental que os maiores poetas da história imaginaram. Uma força descomunal impedia que se separassem, e desabavam declarações na tentativa inútil de disfarçar aos observadores a lascívia das suas intenções.
O coração daquela mulher, desde que vira aqueles olhos penetrantes, pulava no peito e fazia a veia do seu pescoço dançar sob a pele fina e macia. Ela já sentira isso outras vezes, deveras com outros impulsos. Da última vez que a respiração estava tão acelerada, foi ao encontrar o suposto amor de sua vida, um cara que conhecera há anos e depois de alguns meses de relacionamento meloso, descobrira que ele a traía, antes mesmo de começarem a se encontrar. Agora, a situação era oposta. Ao invés de ser movida por aquele sentimento suposto sublime e invencível, estava sendo atraída não pela honra e caráter desse homem, mas pelo mistério de seus olhos e pelas formas de seu corpo.
Para ele, o cheiro que emanava da alma dela era convidativo. Mais que isso, obrigava-o a aproximar-se da dona de tão doce fragrância. Além disso, as formas redondas e sobressalentes daquela moça sem extravagâncias, discretamente sentada lendo aquele tão curioso livro, deixando à mostra parte do seio avantajado mas sem exageros, os cabelos graciosamente presos; todos aqueles detalhes tão sutis davam-na um ar de delicadeza revestida de poderosa volúpia, que o atraia, despertava-o os mais profundos instintos animais, resquícios da época onde se desconhecia sentimentos e as únicas obrigações eram sobreviver e reproduzir.
Seu primeiro beijo aconteceu bem ali, no estacionamento, e não exigiu trilha sonora como aquelas que embalam os beijos dos apaixonados em todo e qualquer filme, tampouco foi precedido de carícias cuidadosas. Ao contrário, foi repleto de fogo interno, como um vulcão prestes a explodir. Sem a timidez das mãos, elas deslizavam pelo corpo de ambos, como já conhecessem o caminho e estivessem acostumadas a fazê-lo. O beijo frenético culminou em carícias mais profundas e, sendo impróprias para o ambiente externo, foram interrompidas pelo tempo que os separava da lanchonete e o quarto de Lizzie.
Durante aquele primeiro dia, ele limitou-se às ações supostamente conhecidas pela garota. Não queria assustá-la, mostrando-se conhecedor dos mais profundos segredos do corpo feminino, muito menos com sua real intenção. Mas se estivesse disposto, poderia fazer o que desejasse com aquela mulher movida pela ânsia de sentir cada centímetro do corpo dele o mais próximo do seu possível, tornando-se um só não pelo sentimento, mas pela junção mútua de seus corpos. Ela estava completamente alucinada, sem ter em mente os riscos que corria com aquele homem, tendo consciência apenas da parte física de ambos.
Ele, por mais que se sentisse completamente atraído a ela, ainda mantinha em foco seu verdadeiro objetivo: unir em perfeita harmonia, chegando ao máximo do prazer, o exterior e o interior do corpo daquela sedutora e mágica mulher.
Mesmo depois daquela tarde de lascivas e voluptuosas relações, não assumiram compromisso. O que sentiam pelo outro, não era nada que os fizesse namorar, apenas atração carnal. Entretanto, inconscientemente mantiveram fidelidade. Depois daquela extrema explosão de desejos e prazeres, quaisquer outras pessoas pareciam insignificantes. Ele também percebera a desqualificação das suas antigas companheiras, mas precisava daquela união mais do que tudo. Então, se dispôs a encontrar-se com outras mulheres, sem o mesmo prazer que sentia com Elizabeth, é certo, mas ainda assim satisfatórios. Para suprir parcialmente a falta que sentia de sua legítima companheira, via-se obrigado a utilizar mais do que de costume do interior dos corpos das mulheres temporárias. Demorava-se a mostrar-se completamente para Lizzie porque o que ela o proporcionava era imensurável, de modo que esperara poder usufruir dela durante longo tempo, não só uma vez, como era seu habitual.
Depois de uma semana de secretas noites, ele estava completamente perturbado, em uma verdadeira crise de abstinência. Temia não se controlar, mas deveria cumprir com seu papel, estando ou não preparado.
No ápice do seu prazer, enquanto seus quadris trabalhavam freneticamente, não pôde se conter. A mão esquerda soltou a coxa de Lizzie, que não percebeu o movimento, tão entretida estava com seus movimentos lascivos, e a unha de seu polegar encontrou-se com o meio do pescoço fino e palpitante daquela mulher. Apertou-o, feriu-o, sangrou-o. O líquido já conhecido desceu pelo corpo daquela que ainda mantinha seus movimentos, e enquanto ele bebia direto do corte profundo, seus próprios quadris aumentaram o ritmo, mantendo concentrada e extasiada de prazer a mulher em seus braços.
O êxtase dela não se podia comparar com o dele. Ela estava sentindo externamente, ele estava prazeroso por completo, enquanto bebia do sangue que por tanto tempo esperou e controlou-se. Explodindo de prazer, sabia que seria hora de parar, se ainda quisesse senti-la outras vezes, mas a abstinência o transformara em mais animal do que já era quando se encontrava com ela, então não parou. Sugava até faltar o fôlego, embebia-se naquele líquido quente, escuro, com o delicioso sabor da adrenalina. Só percebeu que estava passando dos limites quando o corpo tão desejado jazia sem vida em seus braços, ainda quente por causa da atividade recente.
Lizzie não sentira dor. Quando percebeu o que estava acontecendo, lutou com todas as suas forças para libertar-se, mas não por muito tempo. Não porque estivesse com pouco sangue e sem resistência, afinal não sentia dor, mas parou porque estava gostando. Ela também se beneficiou daqueles minutos incomuns, sentindo algo mais poderoso correr por suas veias enquanto o sangue saía pelas artérias.
Ele não sofreu com a perda daquela tão deliciosa mulher. Apenas ressentiu-se um pouco, queria mais noites como aquelas. Abandonou o corpo dela na floresta da outra cidade, deixando os animais livrarem-se da carcaça e procurou outra vítima. Vampiro? Não. Humano como qualquer um de nós. Era desprovido de sentimentos, com certeza, mas gostava de divertir-se, e aproveitar o interior dos corpos das mulheres foi o jeito que encontrou de elevar-se ao ápice do prazer.
Ficou curioso? Vá em frente. Só seja cauteloso para não se viciar.

Perguntam-se porque tudo é tão difícil. Ora, se fosse fácil, nada seria valorizado. Talvez até seja verdade, no entanto, a questão principal não é o valor que se dá ao que se ganha, mas quem irá ganhá-lo. Você nunca percebeu que o mundo é uma competição? Desde o princípio, quando aqueles milhões de espermatozóides lutam para sobreviver e fecundar o óvulo, a guerra começa. E, por favor, não me venha com aquela história de que você é um vencedor desde aquele momento. Poupe-me. Você não venceu, apenas cumpriu com sua obrigação de sobreviver. Todos fazem isso. É apenas a primeira ilustração da constante guerrilha que acontece no mundo, onde todos precisam derrotar seus adversários para conseguir vencer. E não basta deixá-los para trás, é preciso eliminá-los do caminho, não permitir nenhuma chance para que consigam alcançá-lo de novo. Matá-los? Talvez, alguns não têm o pulso firme e o ímpeto de fazê-lo, aliás, nem é preciso tanto. Afinal, todos morrem um dia, não é verdade? Só é preciso um empurrãozinho, um mínimo motivo para tirá-los a vida. E que vida! Onde tudo gira ao redor do próprio eixo, sem ao menos olhar para o lado, sem ser capaz de realizar um pequeno gesto de solidariedade, sem demonstrações de compaixão e fraternidade. E esse egocentrismo não é culpa única e exclusivamente do indivíduo, este é uma pequena fração do todo. E não há motivos para ajudar o próximo. Quem é o próximo? Seu inimigo que compartilha a mesma trincheira. Compartilham o tanque de guerra, as camas da enfermaria, os artefatos bélicos e mantêm a fachada de bons vizinhos, companheiros, amigos. Mas no fundo você sabe que ele não é nada disso, ao contrário. Ele existe e é tão capaz quanto você, logo, vocês também disputam os mesmos cargos. Como podem ser amigos? Estão numa guerra, e nela só vence O melhor, não há lugar para meio-termos. É você ou ele. Os dois, nunca. Enquanto não alcança a vitória, entretanto, precisa dele. Precisa do apoio, das estratégias, das idéias, das influências. Então, o que você faz? Dissimula, engana, disfarça, manipula, transforma, deforma. Aproveita-se ao máximo daquela criatura que, pode ter certeza, usa as mesmas armas para conseguir o que quer. Quando estiver próximo do objetivo, o que fazer? Tira-o do caminho. Se ainda estiver manchado com sentimentos, se ainda não tiver sido ungido no seio da guerra, pode optar por não matá-lo. Pode apenas mentir mais um pouco e denegrir a imagem que por tanto tempo construíram. Ele pode aparentar atordoamento, mas fique certo de que também pretendia fazer aquilo. E, se chegar onde pretende, parabéns, você conseguiu sobreviver. Vencedor? Mais uma vez não. Cumpriu seu papel, nem mais, nem menos. Mas agora você está no topo, rodeado de sanguessugas que aproveitam do seu status para beber as gotas de sangue que caem do seu copo. Amigos? Nenhum. Nunca os teve e por que agora os teria? Amores? Também não. Sempre esteve ocupado demais conseguindo o que tanto esperava e preocupado demais para não cair nas teias do seu companheiro de trincheira. Só tem seu objeto de desejo, que por tanto tempo pleiteou. Mas agora percebe que nada daquilo valeu à pena. Está sozinho no mundo, sua vida passou, e não tens nada a fazer. Nada? Não, há uma coisa. Sim, aquela mesma coisa, aquela que todos temem e ninguém escapa. Você conhece os caminhos mais eficazes de antecipá-la. Pondere, escolha, execute.


Dhay S.

Fascinação

segunda-feira, 6 de setembro de 2010



Por que escolhera viver assim? Ninguém disse que teve escolha. Não fazia isso porque gostava, não. Estava além disso. Além de meros prazeres emocionais ou carnais. Era necessidade, mais vital que a própria água. Suas crises de abstinência não se comparavam com nada já visto pela humanidade. Quem o visse nesses dias, duvidaria que estivesse vivo. Até os zumbis das histórias de terror assustar-se-iam. Mas ele estava vivo. Bem, uma parte. O coração batia mais devagar, sem dúvida, mas o cérebro trabalhava freneticamente pra preparar a próxima armadilha. Sua boca salivava constantemente só de imaginar a próxima vitima. Quando enfim tinha o plano perfeito, punha-o em prática. Nunca precisava comprar nenhum material. Sempre dispunha de tudo o que precisava. Se às vezes faltasse algum arame ou parafuso, a antiga ferrovia disponibilizava. Ele não gostaria de matar ninguém, mas era necessário. Ninguém o compreenderia se ele pedisse. Oi, por favor, não queria ser grosseiro, mas será que poderia me doar um pedaço do seu fêmur? Quem sabe uma parte do rim esquerdo, se não for muito incômodo. Não, ninguém entenderia. Ninguém cederia às suas vontades. Então era preciso matá-los. Sem contar que gostava de vê-los sofrer. Gostava de ouvir os gritos estridentes implorando pela vida. Vibrava com as súplicas, com as promessas inúteis que eles faziam para continuar a vivos. Queria poder deixá-los ir, mas não era possível. Caso deixasse, estaria sendo condescendente, fraco. E não poderia mais se divertir. E por um lado, fazia-lhes um favor, libertando-os dessa vida medíocre sem nenhuma sinceridade. Então, para aproveitar o máximo daquela criatura e elevar sua alma ao ápice do êxtase, não era objetivo. Gostava de metáforas, conversava, explicava, cortava, costurava, amarrava, pendurava. Nos homens, seu trabalho era horizontal. Mantinha-os deitados na maca para não ver o pênis balançando. Por sinal, era o primeiro órgão a ser retirado. Achava o pênis algo muito promíscuo. No entanto, guardava-os em potes com formol. As mulheres eram penduradas em ganchos de açougue. Ora pelos pulsos, ora pelas costas. Crianças e idosos eram afogados aos poucos. Seguia esse padrão para manter-se organizado. Na bagunça, alguma coisa daria errado. Além da tortura básica, tinha outro propósito. Conseguir objetos para sua coleção. No inventário, tinha umas cinqüenta peças. Ele gostava de colecionar. Todo tipo de coisa, contanto que fosse humano. Olhos, cabeças, orelhas, dedos, pênis, clitóris, seios, lábios, línguas, dentes, corações, fígados, intestinos, estômagos, rins, ossos, não todos, é claro, só uma parte. De cada pessoa retirava o que mais lhe agradasse. Antes de cremá-las, tirava uma foto delas, escrevia sobre seu perfil psicológico e guardava na pasta. E cada órgão recebia uma plaqueta, indicando seu dono. Ele era muito organizado. Depois, limpava o local da coleta, cremava os restos e preparava-se para a próxima vitima. Sentia-se realizado, extasiado com mais essa conquista, por mais um trabalho bem feito.
Ele não era louco, não era macabro. Era fascinado pela anatomia, e fazia questão de ter exemplares reais, não aqueles de plástico. E era essa fascinação que o movia, que o tornava tão bom.

||Dhay Souza

domingo, 5 de setembro de 2010

Pais + amig@s + namorad@ = vida perfeita, certo? Errado. Por enquanto, pode achar que sim. E se ainda pensa que sua vida é um conto de fadas, pare de ler. Não quero destruir o sonho de nenhuma criança; mas se já vê o mundo com os olhos da maldade, então já sabe que essa equação não dá a ninguém a garantia de felicidade plena. Afinal, todos nós sabemos a verdade. O difícil é aceita-la. Você sabe que teus pais não se orgulham de você, que tuas amigas são falsas e teu namorado não te ama. Eu sei que sabe. Bem lá no fundo, você sabe de tudo isso. Pode demorar um pouco para perceber, mas pense bem: as palavras reconfortantes dos teus pais são verdadeiras? Suas palavras de reconhecimento têm o tom verídico que deveriam ter? Tuas amigas te procuram quando? Elas sempre pedem algum favor, não é? Conversam um pouco, contam algum segredo para ganhar tua confiança e então pedem para que faças aquele trabalho de educação física, ou quem sabe querem as respostas da prova de matemática. E teu namorado? Quando ele te liga? Quando podem se encontrar a sós ou, melhor ainda, quando tem a oportunidade de te comer. Porque é só nisso que ele se interessa. Não se preocupa com tua saúde mental e suas promessas de amor eterno não têm fundamento. É tudo pura ilusão. Ilusões que você enxergou faz tempo, mas tem medo de aceita-las. Você se apega a essas ilusões para poder ter uma vida normal e não mergulhar no abismo do desespero. Mas no final não vai ter adiantado nada ter fechado os olhos por tanto tempo. Você vai enlouquecer. Mesmo com todos os esforços, um dia reconhecerás quem realmente são as pessoas que te cercam e resolverás afastar-se de todos. Talvez não fisicamente, mas emocionalmente. Um dia desligar-se-á de todos que mentiram e enganaram-te, e ai sim estará livre. Pode sofrer, tenho certeza que sim, mas estarás livre de toda rede de intrigas e falsidade na qual esteve emaranhada por tanto tempo. E quando isso acontecer, feliz não serás, porque não poderás confiar em mais ninguém, e então ver-se-á sozinha, no mais profundo da tua própria alma, enclausurada, sem ver a luz do sol. Mas seu corpo continuará ali, representando seu papel no teatro da sociedade. Dando para outros homens, ou até para o mesmo homem há dez anos, cuidando de três filhas adolescentes revoltadas ou imaturas, sustentando pais velhos, doentes e incapazes, freqüentando o clube de culinária com aquelas madames que falam mal do seu cabelo e criticam a cor do seu esmalte, mas sem você perceber, claro. E ai, quando cansar-se de tudo, tomará aquela atitude. Essa mesma. Essa que todos temem, mas na verdade é a única forma de libertação, o único meio de purificar-se. Pode experimentar a faca da cozinha, no entanto fará muita sujeira. Mas não desista, ainda tem a corda que as crianças brincavam às vezes com as filhas da vizinha. Ela não faz sujeira e o processo, apesar de mais lento, não exige tanta coragem quando a navalha do banheiro. É só amarra-la num galho da árvore, pendurar-se e jogar-se para a libertação.
| Dhay S.

sábado, 21 de agosto de 2010








"Se eu gosto de assustar as pessoas? Sim, eu gosto".
(S. King)

Odiava esse vazio. Odiava esse mundo vazio, essa vida vazia. Vazia de emoções, de prazeres. Odiava sua rotina. Precisava de algo que a satisfizesse, algo que preenchesse sua alma com a euforia e virilidades dos prazeres carnais. Então procurou. Saiu da mesmice e procurou em todos os lugares sua fonte de diversão. Nada. Não encontrou. Mas não desistiu. E sua busca insana foi recompensada. Tudo era vazio, até o dia em que experimentou aquele líquido vermelho, quente, pulsante. Nem o mais longo dos orgasmos comparava-se com aquilo. Cada terminação nervosa de seu corpo entrava em combustão quando o sangue humano encontrava-lhe os lábios. E não parou. Viciou-se. Vez em quando seguia para uma estrada meio deserta. Ficava horas esperando algum motorista suculento atravessar-lhe o caminho. Claro que todos paravam. Ela era sexy e sedutora. E, por mera coincidência, a alça de seu vestido caia, revelando parte do colo protuberante. Arrastava-os para floresta e os deixa fazerem seu trabalho. Ficavam mais saborosos com adrenalina nas veias. Divertiam-se tanto, coitados, até que sua unha do indicador perfurava-lhes a aorta, e o cheiro de sangue escuro, quente e doce inundava-lhe as narinas. Embebia-se naquele sumo dos deuses, mas não satisfeita, chegava à fonte. Arrancava-lhes o coração e devorava-o. Estremecia, estava em êxtase. Lavava-se no rio, e recomeçava sua caçada. E assim seguia com seu desfrute.

((Dhay Souza










"A dor, no fundo, esconde uma pontinha de prazer"

Quem sabe você ainda possa pular no rio e me salvar. Ou quiçá eu só precise de férias, um porre e um amor. Assim como no fundo eu sei que a realidade que eu sonhava afundou num copo de cachaça e virou utopia.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010


Para você, o copo está meio cheio ou meio vazio? Pode perguntar: não dá na mesma? Não, não dá. E, aliás, ele está meio vazio. Não percebe que o copo é sua vida? O que fez dela até agora? Nada. Ela já se esvaziou até a metade. E o que fará daqui para frente? Nada. Não diga que vai mudar, que vai ser mais participativa, porque não vai. Você vai continuar na mesmice. Então, ela não vai estar cheia de nada, vazia. Entende minha óptica?

terça-feira, 3 de agosto de 2010




Esses são seus amigos? É pra essas criaturas que você recorre quando tem medo? É a eles que pede ajuda? Você realmente acredita que eles gostam de você? Sinceramente, tenho pena de você.



Talvez eu seja um pouco masoquista. Eu gosto de sofrer. Eu gosto de ser pessimista. Que vantagem há em ser bom, em ser alegre? Nenhuma. Enquanto você está distribuindo sorrisos, os outros estão planejando sua derrota. Estão analisando todas as variantes na tentativa frenética de te derrubar. Enquanto você ensaia a risada mais sincera, todos aproximam-se com a astúcia da serpente esperando o momento exato para dar o bote. Não seja tola, o mundo não é nenhum conto de fadas! As pessoas mentem, ferem, machucam, matam, enganam. Está na hora de começar a ser má, também! Aprenda com os outros, minta, fira, machuque, engane. Não fique para trás, não se deixe seduzir pelos sorrisos cativantes. Saiba que nenhum deles é verdadeiro. Ninguém é verdadeiro. E eu gosto disso. Eu gosto desse dinamismo incoerente. Eu gosto de ver as pessoas devorando-se. Eu gosto de devorar e ser devorada. No fundo, todos são masoquistas


Amar-me-ás enquanto me for necessário;
Seguir-me-ás até que a Terra envolva-te em suas entranhas;
Serás meu até que tuas células findem sua missão;
Servir-me-ás por toda a eternidade;
Suplicar-me-ás que te permita a minha presença.
Pagar-me-ás tua dívida com o sangue que derramarás para glorificar-me;

Nos Poços



Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê.
(Autor desconhecido)

Curiosidade? Cuidado..



Sempre fora um garoto curioso. Curioso até demais. Não se satisfazia com respostas superficiais, adentrava em todos os assuntos e assimilava quaisquer coisas que lhe dissesse. Mas sua curiosidade mórbida apareceu aos sete anos. Qualquer um que visse a cena julgá-lo-ia maldoso, mas ele era curioso.
Passava pela frente de casa e viu um pássaro morto. Alguma coisa vermelha e viscosa saía de sob suas asas. Mas o que era aquilo? Não achando ninguém para lhe responder, pegou o bicho cuidadosamente, com as mãos em concha e levou-o para seu quintal. Foi à cozinha e pegou aquela faca grande que mamãe prepara comida e alguns guardanapos. Não tinha nojo no animal, mas não queria fazer bagunça. Mamãe sempre reclamava quando ele esmagava insetos. Sabia que aquilo era mais maravilhoso do que simples insetos, e vibrava a cada corte, observando atento o coração minúsculo da ave que ainda batia. Leigo em biologia, não sabia que aquele órgão mantinha seu objeto de estudo ainda vivo. Cutucou aquele pedacinho de carne pulsante com a ponta da faca, mas então ele parou de bater. Sangue jorrava do lugar onde estava a faca. Se pensa que ele se assustou, engana-se. Pressionou o coraçãozinho com o indicador e ficou estarrecido quando percebeu que quanto mais pressionasse, mais sangue jorrava. Estava tão eufórico que soltou gritinhos de alegria. Cortou o coração das veias e artérias e embrulhou-o em papel alumínio. Mamãe sempre enrolava em papel alumínio quando queria conservar algum alimento. Não que pensasse em comê-lo, mas observá-lo mais tarde. Continuou retirando os órgãos e embalando-os, sempre maravilhado, mas não tanto quanto com o coração. Aquela partezinha em especial lhe encheu os olhos, era a maior descoberta que já havia feito!
Mostrou à mãe o que fez durante a tarde. Ela o repreendeu, ele ficou de castigo durante duas semanas, prometendo não fazer isso nunca mais! Mas ele ainda não tinha ficado totalmente satisfeito. Havia tanta coisa a descobrir! Ela não poderia impedi-lo!
Saído do castigo, comprou um estilingue na venda do Seu Zé, encontrou algumas bolinhas de gude já usadas e foi à caça. Passeando pelo parque, acertou dois pássaros, que caíram com o pescoço quebrado. Levou-os para casa e abriu o peito de cada um. Ambos estavam mortos, com o coração parado. Irritou-se, não se importou com os outros órgãos. Descartou os dois passarinhos. Toda semana ele repetia a caça, mas os animais sempre estavam mortos. Não achando um coração pulsátil, analisava, cortava, cheirava, experimentava outras partes desconhecidas, mas não se satisfazia. Precisava encontrar um jeito de capturá-los vivos! Pensou, pensou, pensou.
Voltou à venda de Seu Zé e pediu-lhe uma armadilha para pássaros. Ninguém saberia sua intenção, todo mundo quer criar passarinhos. Pôs algum alimento dentro da gaiola e foi ao parque. Conseguiu dois animais. Radiante de alegria, chegou em casa e pegou a faca. Quando se preparava para abrir um corte no peito de um dos pássaros, viu o quanto ele se debatia. Nunca fora amante dos animais, mas aquela cena o incomodava. Não hesitou, apenas acelerou o processo. Fez o corte e prendeu as asas do animal com uma das mãos. Com a outra, acariciava o coração ainda vivo, até que parasse completamente. Experimentou o sangue, lambeu um pouco, mas não aprovou o gosto. Desistiu da idéia. Manteve o outro animal vivo para a próxima semana.
Depois de mais alguns pássaros, entediou-se. Foi ao lago e pegou alguns peixes. Pô-los numa panela grande e levou-os para casa. Não sabia ao certo onde ficava o coração dos peixes, por isso a experiência foi ainda mais excitante. Descobertas eram fantásticas, afinal, ele era curioso. Precisou de cinco peixes para acertar a localização exata. Semanas após os peixes, entediou-se novamente. Precisava de algo novo, mas o quê?
Saindo de casa para ir ao lago novamente, deu de cara com um gato. Seus olhos brilharam com a idéia que lhe surgiu à mente. Aproximou-se do gato, fez algum carinho e desistiu do lago. Ali havia algo muito melhor para se fazer. Levou o gato ao quintal com inúmeros guardanapos, cortou-o bem no peito. O animal debateu-se muito, arranhou-o no braço, mas parou de resistir quando o corte chegou à altura das patas traseiras. O coração ficava bem lá em cima, pulsante, vivo, regado por aquele líquido quente e atrativo.
Sempre que via algum gato ou cachorro, levava-o para casa. Sua distração era observar o coração desses animais tão complexos. A vizinhança estava preocupada com o desaparecimento de gatos, por ali nunca houve crimes assim! Eles estavam soltos há tanto tempo, não teriam fugido, eles sempre voltavam para casa! Dos cachorros ninguém sentia falta. Os domésticos estavam no interior de suas casas, confortáveis, longe das mãos curiosas desse garoto.
Os bichos estavam escassos, era raro encontrar mais algum para analisar, observar, admirar. Ficar sem seus companheiros era pior do que ficar sem assistir televisão! Tudo bem que se cansou de aves, peixes, gatos e cães, mas era o que ele tinha. O que mais poderia cortar e observar? Ele estava enlouquecendo, não se concentrava na escola, não saía para brincar, era terrível! Uma tortura! Entenda, ele era curioso!



Sua mãe chega em casa e lá está ele, com uma faca ensangüentada em uma das mãos, debruçado sobre o berço, brincando com o coração de seu irmãozinho.

Do Rei do terror

domingo, 1 de agosto de 2010

A escuridão. A maldita escuridão. Achou que haviam sito enterrados vivos nela.Emparedados nela. O amanhecer estava a um século de distância. Muitos ali nunca o veriam. Ou o sol. Estavam enterrados a uma profundidade de dois metros na escuridão. Só faltava mesmo a cantilena monótona do padre, a voz abafada mas não inteiramente obliterada pela nova escuridão compactada, acima da qual se postavam os pranteadores. Os pranteadores nem mesmo sabiam que eles estavam ali, que estavam vivos, que estavam gritando, arranhando e unhando a tampa de caixão da escuridão, o ar estava despelando e enferrujando, estava se transformando em gás venenoso, a esperança desaparecendo até que ela mesma se tornava escuridão e, acima de tudo aquilo, a voz de sino de capela do padre e o arrastamento de pés impaciente dos pranteadores, ansiosos para sair dali para o quente sol de maio. E, superando tudo aquilo, o coro ciciante, arrastando dos bichos e insetos, abrindo túneis na terra, chegando para o banquete. 

(A Longa Marcha - Stephen King)

"A felicidade é passageira; a tristeza é um estado permanente."