Paz no Ibirapuera

quinta-feira, 12 de maio de 2011

- Então, preparado pra passeata? 
- Que passeata?
- A passeata pela paz, neste domingo, no Ibirapuera!...
- Ah, não, vou passar longe!
- Por quê? É uma bela causa.
- Não, não, tô fora, não acredito na paz.
- Que isso, rapaz? É só uma passeata, não precisa filosofar.
- Não tô filosofando, só entro no que acredito. Não vou participar de uma passeata pela paz só pra parecer bacana.
- Não pra isso, mas pra mobilizar as pessoas.
- A quê? A viver em paz? Não nascemos pra ter paz. Isso não é um atributo dos humanos. Os homens nasceram pra guerra, pra inquietação, pro movimento, não pra paz.
- Não entendo. E as pessoas que viveram pela paz? Os grandes líderes religiosos?
- Isso não é paz, é outra coisa.
- Eu acho que a humanidade ainda viverá em paz.
- Quem acredita nisso ou é ingênuo demais ou é pilantra. O mundo precisa é de guerra. São as pessoas nervosas que mudam o mundo, que fazem a roda girar
- E Gandhi, Jesus, Buda?...
- Gandhi ok, talvez. Jesus não, era um subversivo, um riponga porralouca, bagunçou o coreto do império romano, pregava o amor livre
- "amai-vos uns aos outros"...
- E aquela imagem de Buda em meditação eterna?
- Aquilo não era paz, era sobrepeso. Como o cara não podia se mover, ficava lá, paradão, só curtindo, tirando onda de sereno. A paz não tá com nada, já falei. Puro marketing.
- Como assim, marketing? - Tem causa mais simpática do que essa? É claro que isso angaria a simpatia dos normais. Fale sobre a paz em um show, uma peça, uma conversa de bar e você verá o efeito que causa nas pessoas. Alguns são até capazes de chorar.
- Você tá é amargo, isso sim.
- E você tá crédulo demais pro meu gosto. Não há nada que venda mais que a bondade, meu caro. Vá a uma livraria, veja quantos livros falando de amor, de compaixão, do bem contra o mal... Balela, tudo balela.
- O bem existe, não é balela.
- Mas o mal é mais forte.
- Eu acredito na paz.
- Eu não.
- ...
- A paz vende, meu caro. A paz é um bom negócio. Se bobear, mais rentável que a guerra. 
- Eu também não acredito em paz plena, mas acho que um gesto como esse, uma passeata, as pessoas de branco, mãos dadas, tem um simbolismo forte...
- Tem, tem sim... O cara vai à passeata, dá as mãos a um estranho, fala manso e, na volta para casa, arrepia no trânsito e xinga o primeiro cristão que cruzar seu caminho, que não lhe der a vez, que buzinar nas suas costas...
- Deus do céu!...
- Você acha que neguinho tá preocupado com a paz no mundo? Tá preocupado é com a paz no seu mundo, seu mundinho, seu conforto de condomínio, todos com medo do entorno. Escreve aí, essa passeata é um ato de egoísmo.
- Isso pra mim tem nome, é amargura.
- Então tá, vou organizar uma passeata pela afirmação da amargura... Estão todos muito felizes, todos muito empenhados nessa cruzada pelo bem-estar, pela paz... Mas na real, no dia a dia, nego só quer o seu pirão primeiro.
- Eu acredito na paz.
- E eu em duendes.
- Pra mim chega, você tá impossível hoje. Tchau, fica com Deus!
- Vá com Ele. E descanse em paz!

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