terça-feira, 26 de outubro de 2010


Hey litlle dreammer, can you bleed like me?
Ela via. Via o sol nascer, a chuva bater na janela. Via crianças brincando, cães latindo. Via árvores florescendo, folhas caindo. Via o mundo a seu redor. Ela já gostou. Já gosto de sair com amigos, de ter um namorado. Já gostou de correr pela praia, de nadar no mar. Já gostou do sol queimando a pele, da chuva refrescando a alma. Já gostou de estar viva. Ela não sente. Não sente a calma do abraço, o calor do beijo. Não sente a saudade da partida, a alegria do reencontro. Não sente a nostalgia do passado, a esperança do futuro. Porque ela cansou. Cansou da mentira, da enganação. Cansou do teatro. Cansou da hipocrisia, da futilidade. Cansou da brincadeira. Cansou de ser feita de tola, de ser subjugada. Ela se tornou fria e vazia. Ou melhor, vocês a tornaram assim. Sintam-se culpados, sintam remorso. E torçam para não carregar nas costas o peso de uma alma suicida.


Dhay S.
A princípio não aparentara defeitos. Garota perfeita, prestativa, compreensiva, conselheira, amigável, um primor. Mas ninguém lhe conhecia os instintos. Ninguém sabia o que se passava na mente, os desejos que ansiava. Aos poucos foi crescendo-lhe uma revolta, uma indignação com o mundo, com a vida, com as pessoas. Ficou farta da mediocridade na qual se tornara a raça humana. Não se satisfazia com mais nada, nem ao menos com as noites de diversão que costumavam inundar-lhe os sentidos, mergulhá-la em delírios. E com a revolta veio a indignação. Queria fazer algo, mudar alguém, transformar alguma parte. Mas via-se de mãos atadas. Sempre fora tão boa que qualquer mudança de comportamento expirava estresse, ignorância, maldade, falta de solidariedade. Não podia fazer nada, estava presa ao estereótipo que se formara sobre si e à realidade cruel e infame do mundo. Pensavam que não, mas ainda tinha o controle sobre alguma coisa. Sobre sua vida, sobre suas coisas. Se não estava satisfeita com o que via lá fora, com aquele mundo, criaria seu próprio mundo. Foi o que fez. Definiu propósitos, princípios, ideais. Montou e organizou as próprias leis. Seu corpo continuava ali, representando impecavelmente o papel no teatro da vida. Mas a mente, seu ponto principal, não estava. Tinha se mudado para um lugar à parte, um lugar longe de toda essa hipocrisia que vos rodeia, longe da mentira, dessa rede de intrigas que vos prende e enforca, obrigando-vos a participar das baixezas nobres, da sujeira louvável. Não penses que idealizava o paraíso, não queria aquele lugar monótono. Na verdade, não se imaginava vivendo em um mundo perfeito enquanto o corpo ainda estava aqui, não. A mente não criara ilusões. Apenas enclausurara-se dentro de si. Escondeu-se, fechou-se sobre si mesma, construiu uma barreira impenetrável, um muro intransponível. Poderia conviver com seus objetos pessoais, únicas coisas que ainda lhe davam alguma alegria, mas passou a viver na escuridão. Uma criatura isolada de tudo, num cubículo com total ausência de luz, trancafiada e à parte de toda a podridão do mundo, de toda a hipocrisia, mentira, enganação. A possível negritude do seu mundo refletia seu descaso. Descaso com a família, com a escola, com as amizades, falsas e inúteis como descobriu, com os sentimentos. Tornou-se fria, calculista, indiferente. Mudança tão súbita não fora provocada por problemas pessoais. Não era a imagem de si, era o reflexo do todo.
Dhay S.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

No inicio, era uma simples dor. Incômodo na garganta, só isso. Não se lembrara do primeiro dia que sentira aquele formigamento. Veio tão sutil que quando se deu conta lá estava ele. Talvez tivesse começado durante a noite, ou enquanto discutia com a mãe sobre aquele projeto idiota de reformar a cozinha. Realmente não se importara. Não causava incômodo, não o impedia de dormir. Mas não continuou sutil. Aos poucos, a sensação de patas de insetos caminhando dentro de si tornou-se mais acentuada, mais ávida. Até que ficou insuportável. Não eram mais insetos, eram mãos rasgando-lhe o pescoço por dentro, dilacerando-lhe a traquéia, impedindo-o de respirar. Procurou médicos, hospitais de renome, nada foi diagnosticado. Motivo? Não havia nada de anormal por ali. Inúmeros exames e testes realizados, nenhum apontou ao menos uma falha ou infecção. Tudo bem. Não, não estava tudo bem. Ele sentia aquela dor acentuada e aguda. Há dias não dormia, não se alimentava, estava definhando, enlouquecendo. E a dor aumentava. Em constante progressão, sem interrupções, ia dando pontadas e cabriolas dentro de seu corpo. Os pulmões imploravam por oxigênio, mas a passagem estava bloqueada. Uma criaturinha mal-criada e sádica instalara-se ali e não o abandonava. Impedia o tráfego de ar ou alimentos, deixando uma mínima abertura para que seu hospedeiro não morresse asfixiado. Mas não era o suficiente. Ele precisava de mais, precisava recompor o fluxo constante de ar para que suas células sobrevivessem. O problema é que as mãos não sumiam! Continuavam ali, apertando-lhe o pescoço, fazendo palhaçadas enquanto ele enlouquecia. Tormento, tortura. Não suportava tanto! Era forte, sim, mas suas chances eram nulas contra mãos invisíveis, interiores. Lutou, persistiu, suportou até o último fôlego. Estava literalmente sufocando. O ar de seus pulmões esvaia-se a doses largas, tentava sugar o oxigênio da sala bem ventilada, não adiantava. Era só expiração. Era todo desespero. Era o último resquício de vida. As mãos que agora lhe dilaceravam o pescoço eram as suas, munidas de uma faca, tentando sobreviver, respirar. Sabia que em algum ponto abaixo do pomo-de-adão acharia sua salvação, no entanto não era nenhum cirurgião. Na tentativa frenética de conseguir alguns minutos de existência, cortou-se repetidamente, encontrando a própria aorta e o próprio fim.


Ao saber da notícia, a garota rir-se-á. Sua erva realmente surtiu efeito. A curandeira não a enganara. Tivera o destino merecido. Ninguém mandou negar-lhe um beijo.
Dhay S.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Não deveria ter feito aquilo. Sabia dos meus instintos, das minhas inclinações, sabia que só faltava o menor motivo para meus devaneios ganharem forma; mesmo assim, mesmo depois de tantas súplicas, tantos alertas, você me traiu. Se não estava satisfeito, bastava falar. Eu sempre mudei por você, não mudei? Você sempre fora meu maior desejo, ver-te feliz era minha maior ambição. Contigo, pensei que acontecia o mesmo. Ao menos era isso o que transparecia. Sonhos compartilhados, gostos em comum, estávamos em sintonia, éramos a perfeita simetria. Tínhamos a fórmula da felicidade: respeito e confiança. Lembra que planejávamos nosso casamento? Eu sempre sonhei demais, eu sei, mas realmente acreditava que daríamos certo, já que tudo o que eu queria era ter-te a meu lado. E, enquanto eu sonhava, você esquivava-se. Transmitia toda a responsabilidade para mim. Se você quiser, casar-nos-emos; nosso futuro depende única e exclusivamente de suas escolhas e seu comportamento. E então você destruiu tudo. E a que preço? Uma infame noite de diversão. Hipócrita, mentiroso, sem escrúpulos! No final das contas, tudo dependeu realmente de mim. Você me veio com desculpas sem nexo, juras de infinita fidelidade, foi só um descuido, eu juro! Nunca mais me afastarei de você, meu amor! Perdoe-me, perdoe-me! E só cabia a eu decidir o que fazer. Pena que o perdão nunca foi minha virtude. E, além do mais, sua hipocrisia exacerbada inflamou-me a alma. Se não tivesse se mostrado, antes, tão opositor da traição, talvez eu não precisasse estar aqui, causando-lhe este incômodo. Mas veja, eu tenho ideologias, ao contrário de você. E preciso defendê-las. E quanto a você, sua vaca mesquinha e egoísta, sabia que éramos namorados. Se não tivesse bancado a mocinha indefesa na mais vulgar intenção de causar-nos mal, poderia continuar viva. Chamem-me de vilã, fiquem à vontade. Até os prisioneiros têm direito a últimas palavras, eu não os privaria desse privilégio. No entanto, quero que tenham a consciência clara que os culpados por esse teatro são vocês, vermes que poluem a sublime vida de quem tenta seguir as normas. Deixemos de discurso, vamos ao ato. Você quer ser o primeiro, querido? É melhor. Sei que tem uma força descomunal, poderia libertar-se. Você, vaca, quieta, por favor. Preciso de concentração. Deixe-me libertar seu braço, meu amor, necessito dele. Feche a mão, sim? Seja obediente, feche a mão! Tenho que encontrar sua veia! Se o veneno entrar no músculo e não na corrente sanguínea, sofrerá mais, estou avisando. Será um belo espetáculo, vê-lo debatendo-se no chão como uma minhoca cortada ao meio. Inútil tentativa de sobreviver! Isso, obediente como sempre foi. Desculpe-me por isso, mas a culpa não é minha, já disse. Agora você, não pense que sua morte será tão calma. Afinal, se você não fosse tão desprezível, estaríamos todos na cama, com sonhos tranqüilos. Vamos até a maca, tudo bem? Levante-se, agora! Sim, pulsos e tornozelos presos, boca vedada, olhos bem abertos, tudo pronto. Quero que aproveite o show. Tente não chorar, as lágrimas não te deixarão ver como você é linda por dentro. Está sentindo? Olhe, sinta o corte, aprecie o sangue escorrendo-lhe corpo abaixo. Aqui está seu fígado. Ops, acabei de cortar-lhe o rim esquerdo! E este é o teu coração, podre, corroído pela injúria, pela lascívia, pelo mal que sempre causou a todos. Remorso? Não, agora sinto outra coisa. Satisfação, talvez. Alívio de trabalho bem feito. Que me importa as conseqüências? Fiz o que queria, livrei-me desses dois vermes culpados. Eles provocaram a própria morte. Traição não tem perdão, tem punição.
"Sonhei que as pessoas eram boas em um
mundo de amor e acordei
com a Terceira Guerra Mundial"


(Dia Especial - Pouca Vogal)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010








"O corpo quer, a alma entende.
A mente deseja, o coração consente"

(Inspirado em Metal Contra as Nuvens - Legião Urbana)
Pedem-me para falar sobre outras coisas. Mudar de assunto, trocar de tema. Ah, você é adolescente, tem que falar sobre coisas bo(b)as; fale sobre amor, é tão lindo! Não, não é. O amor é ilusório, e só serve para alimentar de baboseiras as mentes das garotinhas sonhadoras ou como inspiração a poetas que têm mania de sofrer. Pessoas não gostam de sofrer pela morte de alguém ou por motivos mais supérfluos, no entanto, fazem questão de exibir as feridas do coração, abrem o peito marcado aos mil ventos, para que outrem sinta pena. Coitadinha, foi traída pelo namorado; calma, não fique assim, um dia ele percebe seu amor. É sempre assim. Elas não querem saber da verdade, preferem esconder-se sob a capa da cegueira a enxergar o mundo como ele é. Acorda! Seu Príncipe Encantado não virá montado num cavalo branco! Não viverá numa casinha branca no interior rodeada de amigas boazinhas! O mundo não é cor-de-rosa! Ele é cinza, perverso, mentiroso, infame, vil, hipócrita e outros milhares de adjetivos. Só o que te rodeia é a guerra, a violência, a ignorância, o egocentrismo, o egoísmo! Não percebes que faz papel de idiota falando a todo tempo o quanto aquela noite foi maravilhosa, ou como ele é tão fofo quando diz que te ama?! A princípio podem suportar tuas lamentações, mas logo, logo, todos se cansam desse papinho melancólico e afastam-se de você. Quem sabe aproximem-se mais, para te explorar, escravizar, aproveitar-se da tua fragilidade. Depois, rir-se-ão de ti, pensando no quanto és tola. Você, sem desconfiar, olhando para tudo com óculos coloridos, pensará: são tão condescendentes comigo, têm tanta paciência! Não, não são boas, são más, mentirosas e aproveitadoras. E assim será o resto de tua vida, sendo subjugada e enganada, a não ser que abras os olhos o mais rápido possível. Vai doer, mas é um sofrimento indispensável.
Dhay S.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Se era alguma criatura sobrenatural, não o soube. Mas o olhar magnético, os lábios sedutores, as íris embebidas em ouro líquido não lhe pareceram humanos.
O palco onde a escolhera não era incomum. Freqüentava-o todos s tipos conhecidos, desde a adolescente vibrante com o bilhete do primeiro namorado à mulher de trinta afogada na primeira crise existencial; da criança birrenta lambuzada de sorvete ao caminhoneiro lascivo manchado de óleo tão negro quanto sua alma. O tipo que ele representava, no entanto, jamais passara por ali. À distância, impunha respeito, autonomia, poder descomunal, um deus que habita o Olímpio. Elizabeth só o percebera quando estava à sua frente, tomando-lhe das mãos o Stephen King que lhe prendia os sentidos.
A princípio, indignou-se com a prepotência de quem se atrevera a despertar-lhe do transe em que se encontrava, mas a revolta se desfez ao fitar aqueles olhos profundos, cheios de um mistério que te obriga a desvendá-lo, prende-te como um cometa na órbita elíptica de um planeta. Não falou, seus olhos disseram-lhe tudo. Levantou-se e saiu. Como um cometa, ela o seguiu. Encontrou-o encostado num Audi preto, ao maior estilo Dan Brown, com os braços cruzados exibindo os músculos protuberantes, de fazer delirar à menor faísca da imaginação. Exibia, ainda, uma máscara rígida, como se sentisse dor aguda e constante. Havia um leve cheiro de ferrugem, o qual a garota não percebeu, tão hipnotizada como estava.
Apresentaram-se formalmente, mas não perderam tempo com banalidades. Ambos estavam ligados de forma tão intensa que chegaram ao ponto máximo das declarações sem ao menos conhecer um terço da personalidade do outro. Chamem de bobagem, de ilusão, de falso amor, mas o que os movia não era nenhuma fantasia de ter encontrado a cara metade. O que os tornava tão íntimos não estava descrito em nenhum poema de amor que tanta gente escreve. O que os prendia ali era a simples atração carnal. Simples pra quem crê que o amor pode ser fruto de amizade e permanecer assim, sem as trocas de calor, sem o ritmo frenético das atividades mais voluptuosas e vis de um casal. Mas para aqueles dois seres, essa atração era maior do que qualquer ligação sentimental que os maiores poetas da história imaginaram. Uma força descomunal impedia que se separassem, e desabavam declarações na tentativa inútil de disfarçar aos observadores a lascívia das suas intenções.
O coração daquela mulher, desde que vira aqueles olhos penetrantes, pulava no peito e fazia a veia do seu pescoço dançar sob a pele fina e macia. Ela já sentira isso outras vezes, deveras com outros impulsos. Da última vez que a respiração estava tão acelerada, foi ao encontrar o suposto amor de sua vida, um cara que conhecera há anos e depois de alguns meses de relacionamento meloso, descobrira que ele a traía, antes mesmo de começarem a se encontrar. Agora, a situação era oposta. Ao invés de ser movida por aquele sentimento suposto sublime e invencível, estava sendo atraída não pela honra e caráter desse homem, mas pelo mistério de seus olhos e pelas formas de seu corpo.
Para ele, o cheiro que emanava da alma dela era convidativo. Mais que isso, obrigava-o a aproximar-se da dona de tão doce fragrância. Além disso, as formas redondas e sobressalentes daquela moça sem extravagâncias, discretamente sentada lendo aquele tão curioso livro, deixando à mostra parte do seio avantajado mas sem exageros, os cabelos graciosamente presos; todos aqueles detalhes tão sutis davam-na um ar de delicadeza revestida de poderosa volúpia, que o atraia, despertava-o os mais profundos instintos animais, resquícios da época onde se desconhecia sentimentos e as únicas obrigações eram sobreviver e reproduzir.
Seu primeiro beijo aconteceu bem ali, no estacionamento, e não exigiu trilha sonora como aquelas que embalam os beijos dos apaixonados em todo e qualquer filme, tampouco foi precedido de carícias cuidadosas. Ao contrário, foi repleto de fogo interno, como um vulcão prestes a explodir. Sem a timidez das mãos, elas deslizavam pelo corpo de ambos, como já conhecessem o caminho e estivessem acostumadas a fazê-lo. O beijo frenético culminou em carícias mais profundas e, sendo impróprias para o ambiente externo, foram interrompidas pelo tempo que os separava da lanchonete e o quarto de Lizzie.
Durante aquele primeiro dia, ele limitou-se às ações supostamente conhecidas pela garota. Não queria assustá-la, mostrando-se conhecedor dos mais profundos segredos do corpo feminino, muito menos com sua real intenção. Mas se estivesse disposto, poderia fazer o que desejasse com aquela mulher movida pela ânsia de sentir cada centímetro do corpo dele o mais próximo do seu possível, tornando-se um só não pelo sentimento, mas pela junção mútua de seus corpos. Ela estava completamente alucinada, sem ter em mente os riscos que corria com aquele homem, tendo consciência apenas da parte física de ambos.
Ele, por mais que se sentisse completamente atraído a ela, ainda mantinha em foco seu verdadeiro objetivo: unir em perfeita harmonia, chegando ao máximo do prazer, o exterior e o interior do corpo daquela sedutora e mágica mulher.
Mesmo depois daquela tarde de lascivas e voluptuosas relações, não assumiram compromisso. O que sentiam pelo outro, não era nada que os fizesse namorar, apenas atração carnal. Entretanto, inconscientemente mantiveram fidelidade. Depois daquela extrema explosão de desejos e prazeres, quaisquer outras pessoas pareciam insignificantes. Ele também percebera a desqualificação das suas antigas companheiras, mas precisava daquela união mais do que tudo. Então, se dispôs a encontrar-se com outras mulheres, sem o mesmo prazer que sentia com Elizabeth, é certo, mas ainda assim satisfatórios. Para suprir parcialmente a falta que sentia de sua legítima companheira, via-se obrigado a utilizar mais do que de costume do interior dos corpos das mulheres temporárias. Demorava-se a mostrar-se completamente para Lizzie porque o que ela o proporcionava era imensurável, de modo que esperara poder usufruir dela durante longo tempo, não só uma vez, como era seu habitual.
Depois de uma semana de secretas noites, ele estava completamente perturbado, em uma verdadeira crise de abstinência. Temia não se controlar, mas deveria cumprir com seu papel, estando ou não preparado.
No ápice do seu prazer, enquanto seus quadris trabalhavam freneticamente, não pôde se conter. A mão esquerda soltou a coxa de Lizzie, que não percebeu o movimento, tão entretida estava com seus movimentos lascivos, e a unha de seu polegar encontrou-se com o meio do pescoço fino e palpitante daquela mulher. Apertou-o, feriu-o, sangrou-o. O líquido já conhecido desceu pelo corpo daquela que ainda mantinha seus movimentos, e enquanto ele bebia direto do corte profundo, seus próprios quadris aumentaram o ritmo, mantendo concentrada e extasiada de prazer a mulher em seus braços.
O êxtase dela não se podia comparar com o dele. Ela estava sentindo externamente, ele estava prazeroso por completo, enquanto bebia do sangue que por tanto tempo esperou e controlou-se. Explodindo de prazer, sabia que seria hora de parar, se ainda quisesse senti-la outras vezes, mas a abstinência o transformara em mais animal do que já era quando se encontrava com ela, então não parou. Sugava até faltar o fôlego, embebia-se naquele líquido quente, escuro, com o delicioso sabor da adrenalina. Só percebeu que estava passando dos limites quando o corpo tão desejado jazia sem vida em seus braços, ainda quente por causa da atividade recente.
Lizzie não sentira dor. Quando percebeu o que estava acontecendo, lutou com todas as suas forças para libertar-se, mas não por muito tempo. Não porque estivesse com pouco sangue e sem resistência, afinal não sentia dor, mas parou porque estava gostando. Ela também se beneficiou daqueles minutos incomuns, sentindo algo mais poderoso correr por suas veias enquanto o sangue saía pelas artérias.
Ele não sofreu com a perda daquela tão deliciosa mulher. Apenas ressentiu-se um pouco, queria mais noites como aquelas. Abandonou o corpo dela na floresta da outra cidade, deixando os animais livrarem-se da carcaça e procurou outra vítima. Vampiro? Não. Humano como qualquer um de nós. Era desprovido de sentimentos, com certeza, mas gostava de divertir-se, e aproveitar o interior dos corpos das mulheres foi o jeito que encontrou de elevar-se ao ápice do prazer.
Ficou curioso? Vá em frente. Só seja cauteloso para não se viciar.

Perguntam-se porque tudo é tão difícil. Ora, se fosse fácil, nada seria valorizado. Talvez até seja verdade, no entanto, a questão principal não é o valor que se dá ao que se ganha, mas quem irá ganhá-lo. Você nunca percebeu que o mundo é uma competição? Desde o princípio, quando aqueles milhões de espermatozóides lutam para sobreviver e fecundar o óvulo, a guerra começa. E, por favor, não me venha com aquela história de que você é um vencedor desde aquele momento. Poupe-me. Você não venceu, apenas cumpriu com sua obrigação de sobreviver. Todos fazem isso. É apenas a primeira ilustração da constante guerrilha que acontece no mundo, onde todos precisam derrotar seus adversários para conseguir vencer. E não basta deixá-los para trás, é preciso eliminá-los do caminho, não permitir nenhuma chance para que consigam alcançá-lo de novo. Matá-los? Talvez, alguns não têm o pulso firme e o ímpeto de fazê-lo, aliás, nem é preciso tanto. Afinal, todos morrem um dia, não é verdade? Só é preciso um empurrãozinho, um mínimo motivo para tirá-los a vida. E que vida! Onde tudo gira ao redor do próprio eixo, sem ao menos olhar para o lado, sem ser capaz de realizar um pequeno gesto de solidariedade, sem demonstrações de compaixão e fraternidade. E esse egocentrismo não é culpa única e exclusivamente do indivíduo, este é uma pequena fração do todo. E não há motivos para ajudar o próximo. Quem é o próximo? Seu inimigo que compartilha a mesma trincheira. Compartilham o tanque de guerra, as camas da enfermaria, os artefatos bélicos e mantêm a fachada de bons vizinhos, companheiros, amigos. Mas no fundo você sabe que ele não é nada disso, ao contrário. Ele existe e é tão capaz quanto você, logo, vocês também disputam os mesmos cargos. Como podem ser amigos? Estão numa guerra, e nela só vence O melhor, não há lugar para meio-termos. É você ou ele. Os dois, nunca. Enquanto não alcança a vitória, entretanto, precisa dele. Precisa do apoio, das estratégias, das idéias, das influências. Então, o que você faz? Dissimula, engana, disfarça, manipula, transforma, deforma. Aproveita-se ao máximo daquela criatura que, pode ter certeza, usa as mesmas armas para conseguir o que quer. Quando estiver próximo do objetivo, o que fazer? Tira-o do caminho. Se ainda estiver manchado com sentimentos, se ainda não tiver sido ungido no seio da guerra, pode optar por não matá-lo. Pode apenas mentir mais um pouco e denegrir a imagem que por tanto tempo construíram. Ele pode aparentar atordoamento, mas fique certo de que também pretendia fazer aquilo. E, se chegar onde pretende, parabéns, você conseguiu sobreviver. Vencedor? Mais uma vez não. Cumpriu seu papel, nem mais, nem menos. Mas agora você está no topo, rodeado de sanguessugas que aproveitam do seu status para beber as gotas de sangue que caem do seu copo. Amigos? Nenhum. Nunca os teve e por que agora os teria? Amores? Também não. Sempre esteve ocupado demais conseguindo o que tanto esperava e preocupado demais para não cair nas teias do seu companheiro de trincheira. Só tem seu objeto de desejo, que por tanto tempo pleiteou. Mas agora percebe que nada daquilo valeu à pena. Está sozinho no mundo, sua vida passou, e não tens nada a fazer. Nada? Não, há uma coisa. Sim, aquela mesma coisa, aquela que todos temem e ninguém escapa. Você conhece os caminhos mais eficazes de antecipá-la. Pondere, escolha, execute.


Dhay S.