sábado, 21 de agosto de 2010








"Se eu gosto de assustar as pessoas? Sim, eu gosto".
(S. King)

Odiava esse vazio. Odiava esse mundo vazio, essa vida vazia. Vazia de emoções, de prazeres. Odiava sua rotina. Precisava de algo que a satisfizesse, algo que preenchesse sua alma com a euforia e virilidades dos prazeres carnais. Então procurou. Saiu da mesmice e procurou em todos os lugares sua fonte de diversão. Nada. Não encontrou. Mas não desistiu. E sua busca insana foi recompensada. Tudo era vazio, até o dia em que experimentou aquele líquido vermelho, quente, pulsante. Nem o mais longo dos orgasmos comparava-se com aquilo. Cada terminação nervosa de seu corpo entrava em combustão quando o sangue humano encontrava-lhe os lábios. E não parou. Viciou-se. Vez em quando seguia para uma estrada meio deserta. Ficava horas esperando algum motorista suculento atravessar-lhe o caminho. Claro que todos paravam. Ela era sexy e sedutora. E, por mera coincidência, a alça de seu vestido caia, revelando parte do colo protuberante. Arrastava-os para floresta e os deixa fazerem seu trabalho. Ficavam mais saborosos com adrenalina nas veias. Divertiam-se tanto, coitados, até que sua unha do indicador perfurava-lhes a aorta, e o cheiro de sangue escuro, quente e doce inundava-lhe as narinas. Embebia-se naquele sumo dos deuses, mas não satisfeita, chegava à fonte. Arrancava-lhes o coração e devorava-o. Estremecia, estava em êxtase. Lavava-se no rio, e recomeçava sua caçada. E assim seguia com seu desfrute.

((Dhay Souza










"A dor, no fundo, esconde uma pontinha de prazer"

Quem sabe você ainda possa pular no rio e me salvar. Ou quiçá eu só precise de férias, um porre e um amor. Assim como no fundo eu sei que a realidade que eu sonhava afundou num copo de cachaça e virou utopia.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010


Para você, o copo está meio cheio ou meio vazio? Pode perguntar: não dá na mesma? Não, não dá. E, aliás, ele está meio vazio. Não percebe que o copo é sua vida? O que fez dela até agora? Nada. Ela já se esvaziou até a metade. E o que fará daqui para frente? Nada. Não diga que vai mudar, que vai ser mais participativa, porque não vai. Você vai continuar na mesmice. Então, ela não vai estar cheia de nada, vazia. Entende minha óptica?

terça-feira, 3 de agosto de 2010




Esses são seus amigos? É pra essas criaturas que você recorre quando tem medo? É a eles que pede ajuda? Você realmente acredita que eles gostam de você? Sinceramente, tenho pena de você.



Talvez eu seja um pouco masoquista. Eu gosto de sofrer. Eu gosto de ser pessimista. Que vantagem há em ser bom, em ser alegre? Nenhuma. Enquanto você está distribuindo sorrisos, os outros estão planejando sua derrota. Estão analisando todas as variantes na tentativa frenética de te derrubar. Enquanto você ensaia a risada mais sincera, todos aproximam-se com a astúcia da serpente esperando o momento exato para dar o bote. Não seja tola, o mundo não é nenhum conto de fadas! As pessoas mentem, ferem, machucam, matam, enganam. Está na hora de começar a ser má, também! Aprenda com os outros, minta, fira, machuque, engane. Não fique para trás, não se deixe seduzir pelos sorrisos cativantes. Saiba que nenhum deles é verdadeiro. Ninguém é verdadeiro. E eu gosto disso. Eu gosto desse dinamismo incoerente. Eu gosto de ver as pessoas devorando-se. Eu gosto de devorar e ser devorada. No fundo, todos são masoquistas


Amar-me-ás enquanto me for necessário;
Seguir-me-ás até que a Terra envolva-te em suas entranhas;
Serás meu até que tuas células findem sua missão;
Servir-me-ás por toda a eternidade;
Suplicar-me-ás que te permita a minha presença.
Pagar-me-ás tua dívida com o sangue que derramarás para glorificar-me;

Nos Poços



Primeiro você cai num poço. Mas não é ruim cair num poço assim de repente? No começo é. Mas você logo começa a curtir as pedras do poço. O limo do poço. A umidade do poço. A água do poço. A terra do poço. O cheiro do poço. O poço do poço. Mas não é ruim a gente ir entrando nos poços dos poços sem fim? A gente não sente medo? A gente sente um pouco de medo mas não dói. A gente não morre? A gente morre um pouco em cada poço. E não dói? Morrer não dói. Morrer é entrar noutra. E depois: no fundo do poço do poço do poço do poço você vai descobrir quê.
(Autor desconhecido)

Curiosidade? Cuidado..



Sempre fora um garoto curioso. Curioso até demais. Não se satisfazia com respostas superficiais, adentrava em todos os assuntos e assimilava quaisquer coisas que lhe dissesse. Mas sua curiosidade mórbida apareceu aos sete anos. Qualquer um que visse a cena julgá-lo-ia maldoso, mas ele era curioso.
Passava pela frente de casa e viu um pássaro morto. Alguma coisa vermelha e viscosa saía de sob suas asas. Mas o que era aquilo? Não achando ninguém para lhe responder, pegou o bicho cuidadosamente, com as mãos em concha e levou-o para seu quintal. Foi à cozinha e pegou aquela faca grande que mamãe prepara comida e alguns guardanapos. Não tinha nojo no animal, mas não queria fazer bagunça. Mamãe sempre reclamava quando ele esmagava insetos. Sabia que aquilo era mais maravilhoso do que simples insetos, e vibrava a cada corte, observando atento o coração minúsculo da ave que ainda batia. Leigo em biologia, não sabia que aquele órgão mantinha seu objeto de estudo ainda vivo. Cutucou aquele pedacinho de carne pulsante com a ponta da faca, mas então ele parou de bater. Sangue jorrava do lugar onde estava a faca. Se pensa que ele se assustou, engana-se. Pressionou o coraçãozinho com o indicador e ficou estarrecido quando percebeu que quanto mais pressionasse, mais sangue jorrava. Estava tão eufórico que soltou gritinhos de alegria. Cortou o coração das veias e artérias e embrulhou-o em papel alumínio. Mamãe sempre enrolava em papel alumínio quando queria conservar algum alimento. Não que pensasse em comê-lo, mas observá-lo mais tarde. Continuou retirando os órgãos e embalando-os, sempre maravilhado, mas não tanto quanto com o coração. Aquela partezinha em especial lhe encheu os olhos, era a maior descoberta que já havia feito!
Mostrou à mãe o que fez durante a tarde. Ela o repreendeu, ele ficou de castigo durante duas semanas, prometendo não fazer isso nunca mais! Mas ele ainda não tinha ficado totalmente satisfeito. Havia tanta coisa a descobrir! Ela não poderia impedi-lo!
Saído do castigo, comprou um estilingue na venda do Seu Zé, encontrou algumas bolinhas de gude já usadas e foi à caça. Passeando pelo parque, acertou dois pássaros, que caíram com o pescoço quebrado. Levou-os para casa e abriu o peito de cada um. Ambos estavam mortos, com o coração parado. Irritou-se, não se importou com os outros órgãos. Descartou os dois passarinhos. Toda semana ele repetia a caça, mas os animais sempre estavam mortos. Não achando um coração pulsátil, analisava, cortava, cheirava, experimentava outras partes desconhecidas, mas não se satisfazia. Precisava encontrar um jeito de capturá-los vivos! Pensou, pensou, pensou.
Voltou à venda de Seu Zé e pediu-lhe uma armadilha para pássaros. Ninguém saberia sua intenção, todo mundo quer criar passarinhos. Pôs algum alimento dentro da gaiola e foi ao parque. Conseguiu dois animais. Radiante de alegria, chegou em casa e pegou a faca. Quando se preparava para abrir um corte no peito de um dos pássaros, viu o quanto ele se debatia. Nunca fora amante dos animais, mas aquela cena o incomodava. Não hesitou, apenas acelerou o processo. Fez o corte e prendeu as asas do animal com uma das mãos. Com a outra, acariciava o coração ainda vivo, até que parasse completamente. Experimentou o sangue, lambeu um pouco, mas não aprovou o gosto. Desistiu da idéia. Manteve o outro animal vivo para a próxima semana.
Depois de mais alguns pássaros, entediou-se. Foi ao lago e pegou alguns peixes. Pô-los numa panela grande e levou-os para casa. Não sabia ao certo onde ficava o coração dos peixes, por isso a experiência foi ainda mais excitante. Descobertas eram fantásticas, afinal, ele era curioso. Precisou de cinco peixes para acertar a localização exata. Semanas após os peixes, entediou-se novamente. Precisava de algo novo, mas o quê?
Saindo de casa para ir ao lago novamente, deu de cara com um gato. Seus olhos brilharam com a idéia que lhe surgiu à mente. Aproximou-se do gato, fez algum carinho e desistiu do lago. Ali havia algo muito melhor para se fazer. Levou o gato ao quintal com inúmeros guardanapos, cortou-o bem no peito. O animal debateu-se muito, arranhou-o no braço, mas parou de resistir quando o corte chegou à altura das patas traseiras. O coração ficava bem lá em cima, pulsante, vivo, regado por aquele líquido quente e atrativo.
Sempre que via algum gato ou cachorro, levava-o para casa. Sua distração era observar o coração desses animais tão complexos. A vizinhança estava preocupada com o desaparecimento de gatos, por ali nunca houve crimes assim! Eles estavam soltos há tanto tempo, não teriam fugido, eles sempre voltavam para casa! Dos cachorros ninguém sentia falta. Os domésticos estavam no interior de suas casas, confortáveis, longe das mãos curiosas desse garoto.
Os bichos estavam escassos, era raro encontrar mais algum para analisar, observar, admirar. Ficar sem seus companheiros era pior do que ficar sem assistir televisão! Tudo bem que se cansou de aves, peixes, gatos e cães, mas era o que ele tinha. O que mais poderia cortar e observar? Ele estava enlouquecendo, não se concentrava na escola, não saía para brincar, era terrível! Uma tortura! Entenda, ele era curioso!



Sua mãe chega em casa e lá está ele, com uma faca ensangüentada em uma das mãos, debruçado sobre o berço, brincando com o coração de seu irmãozinho.

Do Rei do terror

domingo, 1 de agosto de 2010

A escuridão. A maldita escuridão. Achou que haviam sito enterrados vivos nela.Emparedados nela. O amanhecer estava a um século de distância. Muitos ali nunca o veriam. Ou o sol. Estavam enterrados a uma profundidade de dois metros na escuridão. Só faltava mesmo a cantilena monótona do padre, a voz abafada mas não inteiramente obliterada pela nova escuridão compactada, acima da qual se postavam os pranteadores. Os pranteadores nem mesmo sabiam que eles estavam ali, que estavam vivos, que estavam gritando, arranhando e unhando a tampa de caixão da escuridão, o ar estava despelando e enferrujando, estava se transformando em gás venenoso, a esperança desaparecendo até que ela mesma se tornava escuridão e, acima de tudo aquilo, a voz de sino de capela do padre e o arrastamento de pés impaciente dos pranteadores, ansiosos para sair dali para o quente sol de maio. E, superando tudo aquilo, o coro ciciante, arrastando dos bichos e insetos, abrindo túneis na terra, chegando para o banquete. 

(A Longa Marcha - Stephen King)

"A felicidade é passageira; a tristeza é um estado permanente."