Curiosidade? Cuidado..

terça-feira, 3 de agosto de 2010



Sempre fora um garoto curioso. Curioso até demais. Não se satisfazia com respostas superficiais, adentrava em todos os assuntos e assimilava quaisquer coisas que lhe dissesse. Mas sua curiosidade mórbida apareceu aos sete anos. Qualquer um que visse a cena julgá-lo-ia maldoso, mas ele era curioso.
Passava pela frente de casa e viu um pássaro morto. Alguma coisa vermelha e viscosa saía de sob suas asas. Mas o que era aquilo? Não achando ninguém para lhe responder, pegou o bicho cuidadosamente, com as mãos em concha e levou-o para seu quintal. Foi à cozinha e pegou aquela faca grande que mamãe prepara comida e alguns guardanapos. Não tinha nojo no animal, mas não queria fazer bagunça. Mamãe sempre reclamava quando ele esmagava insetos. Sabia que aquilo era mais maravilhoso do que simples insetos, e vibrava a cada corte, observando atento o coração minúsculo da ave que ainda batia. Leigo em biologia, não sabia que aquele órgão mantinha seu objeto de estudo ainda vivo. Cutucou aquele pedacinho de carne pulsante com a ponta da faca, mas então ele parou de bater. Sangue jorrava do lugar onde estava a faca. Se pensa que ele se assustou, engana-se. Pressionou o coraçãozinho com o indicador e ficou estarrecido quando percebeu que quanto mais pressionasse, mais sangue jorrava. Estava tão eufórico que soltou gritinhos de alegria. Cortou o coração das veias e artérias e embrulhou-o em papel alumínio. Mamãe sempre enrolava em papel alumínio quando queria conservar algum alimento. Não que pensasse em comê-lo, mas observá-lo mais tarde. Continuou retirando os órgãos e embalando-os, sempre maravilhado, mas não tanto quanto com o coração. Aquela partezinha em especial lhe encheu os olhos, era a maior descoberta que já havia feito!
Mostrou à mãe o que fez durante a tarde. Ela o repreendeu, ele ficou de castigo durante duas semanas, prometendo não fazer isso nunca mais! Mas ele ainda não tinha ficado totalmente satisfeito. Havia tanta coisa a descobrir! Ela não poderia impedi-lo!
Saído do castigo, comprou um estilingue na venda do Seu Zé, encontrou algumas bolinhas de gude já usadas e foi à caça. Passeando pelo parque, acertou dois pássaros, que caíram com o pescoço quebrado. Levou-os para casa e abriu o peito de cada um. Ambos estavam mortos, com o coração parado. Irritou-se, não se importou com os outros órgãos. Descartou os dois passarinhos. Toda semana ele repetia a caça, mas os animais sempre estavam mortos. Não achando um coração pulsátil, analisava, cortava, cheirava, experimentava outras partes desconhecidas, mas não se satisfazia. Precisava encontrar um jeito de capturá-los vivos! Pensou, pensou, pensou.
Voltou à venda de Seu Zé e pediu-lhe uma armadilha para pássaros. Ninguém saberia sua intenção, todo mundo quer criar passarinhos. Pôs algum alimento dentro da gaiola e foi ao parque. Conseguiu dois animais. Radiante de alegria, chegou em casa e pegou a faca. Quando se preparava para abrir um corte no peito de um dos pássaros, viu o quanto ele se debatia. Nunca fora amante dos animais, mas aquela cena o incomodava. Não hesitou, apenas acelerou o processo. Fez o corte e prendeu as asas do animal com uma das mãos. Com a outra, acariciava o coração ainda vivo, até que parasse completamente. Experimentou o sangue, lambeu um pouco, mas não aprovou o gosto. Desistiu da idéia. Manteve o outro animal vivo para a próxima semana.
Depois de mais alguns pássaros, entediou-se. Foi ao lago e pegou alguns peixes. Pô-los numa panela grande e levou-os para casa. Não sabia ao certo onde ficava o coração dos peixes, por isso a experiência foi ainda mais excitante. Descobertas eram fantásticas, afinal, ele era curioso. Precisou de cinco peixes para acertar a localização exata. Semanas após os peixes, entediou-se novamente. Precisava de algo novo, mas o quê?
Saindo de casa para ir ao lago novamente, deu de cara com um gato. Seus olhos brilharam com a idéia que lhe surgiu à mente. Aproximou-se do gato, fez algum carinho e desistiu do lago. Ali havia algo muito melhor para se fazer. Levou o gato ao quintal com inúmeros guardanapos, cortou-o bem no peito. O animal debateu-se muito, arranhou-o no braço, mas parou de resistir quando o corte chegou à altura das patas traseiras. O coração ficava bem lá em cima, pulsante, vivo, regado por aquele líquido quente e atrativo.
Sempre que via algum gato ou cachorro, levava-o para casa. Sua distração era observar o coração desses animais tão complexos. A vizinhança estava preocupada com o desaparecimento de gatos, por ali nunca houve crimes assim! Eles estavam soltos há tanto tempo, não teriam fugido, eles sempre voltavam para casa! Dos cachorros ninguém sentia falta. Os domésticos estavam no interior de suas casas, confortáveis, longe das mãos curiosas desse garoto.
Os bichos estavam escassos, era raro encontrar mais algum para analisar, observar, admirar. Ficar sem seus companheiros era pior do que ficar sem assistir televisão! Tudo bem que se cansou de aves, peixes, gatos e cães, mas era o que ele tinha. O que mais poderia cortar e observar? Ele estava enlouquecendo, não se concentrava na escola, não saía para brincar, era terrível! Uma tortura! Entenda, ele era curioso!



Sua mãe chega em casa e lá está ele, com uma faca ensangüentada em uma das mãos, debruçado sobre o berço, brincando com o coração de seu irmãozinho.

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