sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Não deveria ter feito aquilo. Sabia dos meus instintos, das minhas inclinações, sabia que só faltava o menor motivo para meus devaneios ganharem forma; mesmo assim, mesmo depois de tantas súplicas, tantos alertas, você me traiu. Se não estava satisfeito, bastava falar. Eu sempre mudei por você, não mudei? Você sempre fora meu maior desejo, ver-te feliz era minha maior ambição. Contigo, pensei que acontecia o mesmo. Ao menos era isso o que transparecia. Sonhos compartilhados, gostos em comum, estávamos em sintonia, éramos a perfeita simetria. Tínhamos a fórmula da felicidade: respeito e confiança. Lembra que planejávamos nosso casamento? Eu sempre sonhei demais, eu sei, mas realmente acreditava que daríamos certo, já que tudo o que eu queria era ter-te a meu lado. E, enquanto eu sonhava, você esquivava-se. Transmitia toda a responsabilidade para mim. Se você quiser, casar-nos-emos; nosso futuro depende única e exclusivamente de suas escolhas e seu comportamento. E então você destruiu tudo. E a que preço? Uma infame noite de diversão. Hipócrita, mentiroso, sem escrúpulos! No final das contas, tudo dependeu realmente de mim. Você me veio com desculpas sem nexo, juras de infinita fidelidade, foi só um descuido, eu juro! Nunca mais me afastarei de você, meu amor! Perdoe-me, perdoe-me! E só cabia a eu decidir o que fazer. Pena que o perdão nunca foi minha virtude. E, além do mais, sua hipocrisia exacerbada inflamou-me a alma. Se não tivesse se mostrado, antes, tão opositor da traição, talvez eu não precisasse estar aqui, causando-lhe este incômodo. Mas veja, eu tenho ideologias, ao contrário de você. E preciso defendê-las. E quanto a você, sua vaca mesquinha e egoísta, sabia que éramos namorados. Se não tivesse bancado a mocinha indefesa na mais vulgar intenção de causar-nos mal, poderia continuar viva. Chamem-me de vilã, fiquem à vontade. Até os prisioneiros têm direito a últimas palavras, eu não os privaria desse privilégio. No entanto, quero que tenham a consciência clara que os culpados por esse teatro são vocês, vermes que poluem a sublime vida de quem tenta seguir as normas. Deixemos de discurso, vamos ao ato. Você quer ser o primeiro, querido? É melhor. Sei que tem uma força descomunal, poderia libertar-se. Você, vaca, quieta, por favor. Preciso de concentração. Deixe-me libertar seu braço, meu amor, necessito dele. Feche a mão, sim? Seja obediente, feche a mão! Tenho que encontrar sua veia! Se o veneno entrar no músculo e não na corrente sanguínea, sofrerá mais, estou avisando. Será um belo espetáculo, vê-lo debatendo-se no chão como uma minhoca cortada ao meio. Inútil tentativa de sobreviver! Isso, obediente como sempre foi. Desculpe-me por isso, mas a culpa não é minha, já disse. Agora você, não pense que sua morte será tão calma. Afinal, se você não fosse tão desprezível, estaríamos todos na cama, com sonhos tranqüilos. Vamos até a maca, tudo bem? Levante-se, agora! Sim, pulsos e tornozelos presos, boca vedada, olhos bem abertos, tudo pronto. Quero que aproveite o show. Tente não chorar, as lágrimas não te deixarão ver como você é linda por dentro. Está sentindo? Olhe, sinta o corte, aprecie o sangue escorrendo-lhe corpo abaixo. Aqui está seu fígado. Ops, acabei de cortar-lhe o rim esquerdo! E este é o teu coração, podre, corroído pela injúria, pela lascívia, pelo mal que sempre causou a todos. Remorso? Não, agora sinto outra coisa. Satisfação, talvez. Alívio de trabalho bem feito. Que me importa as conseqüências? Fiz o que queria, livrei-me desses dois vermes culpados. Eles provocaram a própria morte. Traição não tem perdão, tem punição.

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