
Hey litlle dreammer, can you bleed like me?
Um toque de realidade com uma gota de maldade.
Ela via. Via o sol nascer, a chuva bater na janela. Via crianças brincando, cães latindo. Via árvores florescendo, folhas caindo. Via o mundo a seu redor. Ela já gostou. Já gosto de sair com amigos, de ter um namorado. Já gostou de correr pela praia, de nadar no mar. Já gostou do sol queimando a pele, da chuva refrescando a alma. Já gostou de estar viva. Ela não sente. Não sente a calma do abraço, o calor do beijo. Não sente a saudade da partida, a alegria do reencontro. Não sente a nostalgia do passado, a esperança do futuro. Porque ela cansou. Cansou da mentira, da enganação. Cansou do teatro. Cansou da hipocrisia, da futilidade. Cansou da brincadeira. Cansou de ser feita de tola, de ser subjugada. Ela se tornou fria e vazia. Ou melhor, vocês a tornaram assim. Sintam-se culpados, sintam remorso. E torçam para não carregar nas costas o peso de uma alma suicida.
A princípio não aparentara defeitos. Garota perfeita, prestativa, compreensiva, conselheira, amigável, um primor. Mas ninguém lhe conhecia os instintos. Ninguém sabia o que se passava na mente, os desejos que ansiava. Aos poucos foi crescendo-lhe uma revolta, uma indignação com o mundo, com a vida, com as pessoas. Ficou farta da mediocridade na qual se tornara a raça humana. Não se satisfazia com mais nada, nem ao menos com as noites de diversão que costumavam inundar-lhe os sentidos, mergulhá-la
No inicio, era uma simples dor. Incômodo na garganta, só isso. Não se lembrara do primeiro dia que sentira aquele formigamento. Veio tão sutil que quando se deu conta lá estava ele. Talvez tivesse começado durante a noite, ou enquanto discutia com a mãe sobre aquele projeto idiota de reformar a cozinha. Realmente não se importara. Não causava incômodo, não o impedia de dormir. Mas não continuou sutil. Aos poucos, a sensação de patas de insetos caminhando dentro de si tornou-se mais acentuada, mais ávida. Até que ficou insuportável. Não eram mais insetos, eram mãos rasgando-lhe o pescoço por dentro, dilacerando-lhe a traquéia, impedindo-o de respirar. Procurou médicos, hospitais de renome, nada foi diagnosticado. Motivo? Não havia nada de anormal por ali. Inúmeros exames e testes realizados, nenhum apontou ao menos uma falha ou infecção. Tudo bem. Não, não estava tudo bem. Ele sentia aquela dor acentuada e aguda. Há dias não dormia, não se alimentava, estava definhando, enlouquecendo. E a dor aumentava. Em constante progressão, sem interrupções, ia dando pontadas e cabriolas dentro de seu corpo. Os pulmões imploravam por oxigênio, mas a passagem estava bloqueada. Uma criaturinha mal-criada e sádica instalara-se ali e não o abandonava. Impedia o tráfego de ar ou alimentos, deixando uma mínima abertura para que seu hospedeiro não morresse asfixiado. Mas não era o suficiente. Ele precisava de mais, precisava recompor o fluxo constante de ar para que suas células sobrevivessem. O problema é que as mãos não sumiam! Continuavam ali, apertando-lhe o pescoço, fazendo palhaçadas enquanto ele enlouquecia. Tormento, tortura. Não suportava tanto! Era forte, sim, mas suas chances eram nulas contra mãos invisíveis, interiores. Lutou, persistiu, suportou até o último fôlego. Estava literalmente sufocando. O ar de seus pulmões esvaia-se a doses largas, tentava sugar o oxigênio da sala bem ventilada, não adiantava. Era só expiração. Era todo desespero. Era o último resquício de vida. As mãos que agora lhe dilaceravam o pescoço eram as suas, munidas de uma faca, tentando sobreviver, respirar. Sabia que em algum ponto abaixo do pomo-de-adão acharia sua salvação, no entanto não era nenhum cirurgião. Na tentativa frenética de conseguir alguns minutos de existência, cortou-se repetidamente, encontrando a própria aorta e o próprio fim.
Não deveria ter feito aquilo. Sabia dos meus instintos, das minhas inclinações, sabia que só faltava o menor motivo para meus devaneios ganharem forma; mesmo assim, mesmo depois de tantas súplicas, tantos alertas, você me traiu. Se não estava satisfeito, bastava falar. Eu sempre mudei por você, não mudei? Você sempre fora meu maior desejo, ver-te feliz era minha maior ambição. Contigo, pensei que acontecia o mesmo. Ao menos era isso o que transparecia. Sonhos compartilhados, gostos em comum, estávamos em sintonia, éramos a perfeita simetria. Tínhamos a fórmula da felicidade: respeito e confiança. Lembra que planejávamos nosso casamento? Eu sempre sonhei demais, eu sei, mas realmente acreditava que daríamos certo, já que tudo o que eu queria era ter-te a meu lado. E, enquanto eu sonhava, você esquivava-se. Transmitia toda a responsabilidade para mim. Se você quiser, casar-nos-emos; nosso futuro depende única e exclusivamente de suas escolhas e seu comportamento. E então você destruiu tudo. E a que preço? Uma infame noite de diversão. Hipócrita, mentiroso, sem escrúpulos! No final das contas, tudo dependeu realmente de mim. Você me veio com desculpas sem nexo, juras de infinita fidelidade, foi só um descuido, eu juro! Nunca mais me afastarei de você, meu amor! Perdoe-me, perdoe-me! E só cabia a eu decidir o que fazer. Pena que o perdão nunca foi minha virtude. E, além do mais, sua hipocrisia exacerbada inflamou-me a alma. Se não tivesse se mostrado, antes, tão opositor da traição, talvez eu não precisasse estar aqui, causando-lhe este incômodo. Mas veja, eu tenho ideologias, ao contrário de você. E preciso defendê-las. E quanto a você, sua vaca mesquinha e egoísta, sabia que éramos namorados. Se não tivesse bancado a mocinha indefesa na mais vulgar intenção de causar-nos mal, poderia continuar viva. Chamem-me de vilã, fiquem à vontade. Até os prisioneiros têm direito a últimas palavras, eu não os privaria desse privilégio. No entanto, quero que tenham a consciência clara que os culpados por esse teatro são vocês, vermes que poluem a sublime vida de quem tenta seguir as normas. Deixemos de discurso, vamos ao ato. Você quer ser o primeiro, querido? É melhor. Sei que tem uma força descomunal, poderia libertar-se. Você, vaca, quieta, por favor. Preciso de concentração. Deixe-me libertar seu braço, meu amor, necessito dele. Feche a mão, sim? Seja obediente, feche a mão! Tenho que encontrar sua veia! Se o veneno entrar no músculo e não na corrente sanguínea, sofrerá mais, estou avisando. Será um belo espetáculo, vê-lo debatendo-se no chão como uma minhoca cortada ao meio. Inútil tentativa de sobreviver! Isso, obediente como sempre foi. Desculpe-me por isso, mas a culpa não é minha, já disse. Agora você, não pense que sua morte será tão calma. Afinal, se você não fosse tão desprezível, estaríamos todos na cama, com sonhos tranqüilos. Vamos até a maca, tudo bem? Levante-se, agora! Sim, pulsos e tornozelos presos, boca vedada, olhos bem abertos, tudo pronto. Quero que aproveite o show. Tente não chorar, as lágrimas não te deixarão ver como você é linda por dentro. Está sentindo? Olhe, sinta o corte, aprecie o sangue escorrendo-lhe corpo abaixo. Aqui está seu fígado. Ops, acabei de cortar-lhe o rim esquerdo! E este é o teu coração, podre, corroído pela injúria, pela lascívia, pelo mal que sempre causou a todos. Remorso? Não, agora sinto outra coisa. Satisfação, talvez. Alívio de trabalho bem feito. Que me importa as conseqüências? Fiz o que queria, livrei-me desses dois vermes culpados. Eles provocaram a própria morte. Traição não tem perdão, tem punição. 
Pedem-me para falar sobre outras coisas. Mudar de assunto, trocar de tema. Ah, você é adolescente, tem que falar sobre coisas bo(b)as; fale sobre amor, é tão lindo! Não, não é. O amor é ilusório, e só serve para alimentar de baboseiras as mentes das garotinhas sonhadoras ou como inspiração a poetas que têm mania de sofrer. Pessoas não gostam de sofrer pela morte de alguém ou por motivos mais supérfluos, no entanto, fazem questão de exibir as feridas do coração, abrem o peito marcado aos mil ventos, para que outrem sinta pena. Coitadinha, foi traída pelo namorado; calma, não fique assim, um dia ele percebe seu amor. É sempre assim. Elas não querem saber da verdade, preferem esconder-se sob a capa da cegueira a enxergar o mundo como ele é. Acorda! Seu Príncipe Encantado não virá montado num cavalo branco! Não viverá numa casinha branca no interior rodeada de amigas boazinhas! O mundo não é cor-de-rosa! Ele é cinza, perverso, mentiroso, infame, vil, hipócrita e outros milhares de adjetivos. Só o que te rodeia é a guerra, a violência, a ignorância, o egocentrismo, o egoísmo! Não percebes que faz papel de idiota falando a todo tempo o quanto aquela noite foi maravilhosa, ou como ele é tão fofo quando diz que te ama?! A princípio podem suportar tuas lamentações, mas logo, logo, todos se cansam desse papinho melancólico e afastam-se de você. Quem sabe aproximem-se mais, para te explorar, escravizar, aproveitar-se da tua fragilidade. Depois, rir-se-ão de ti, pensando no quanto és tola. Você, sem desconfiar, olhando para tudo com óculos coloridos, pensará: são tão condescendentes comigo, têm tanta paciência! Não, não são boas, são más, mentirosas e aproveitadoras. E assim será o resto de tua vida, sendo subjugada e enganada, a não ser que abras os olhos o mais rápido possível. Vai doer, mas é um sofrimento indispensável.
Se era alguma criatura sobrenatural, não o soube. Mas o olhar magnético, os lábios sedutores, as íris embebidas em ouro líquido não lhe pareceram humanos.
Perguntam-se porque tudo é tão difícil. Ora, se fosse fácil, nada seria valorizado. Talvez até seja verdade, no entanto, a questão principal não é o valor que se dá ao que se ganha, mas quem irá ganhá-lo. Você nunca percebeu que o mundo é uma competição? Desde o princípio, quando aqueles milhões de espermatozóides lutam para sobreviver e fecundar o óvulo, a guerra começa. E, por favor, não me venha com aquela história de que você é um vencedor desde aquele momento. Poupe-me. Você não venceu, apenas cumpriu com sua obrigação de sobreviver. Todos fazem isso. É apenas a primeira ilustração da constante guerrilha que acontece no mundo, onde todos precisam derrotar seus adversários para conseguir vencer. E não basta deixá-los para trás, é preciso eliminá-los do caminho, não permitir nenhuma chance para que consigam alcançá-lo de novo. Matá-los? Talvez, alguns não têm o pulso firme e o ímpeto de fazê-lo, aliás, nem é preciso tanto. Afinal, todos morrem um dia, não é verdade? Só é preciso um empurrãozinho, um mínimo motivo para tirá-los a vida. E que vida! Onde tudo gira ao redor do próprio eixo, sem ao menos olhar para o lado, sem ser capaz de realizar um pequeno gesto de solidariedade, sem demonstrações de compaixão e fraternidade. E esse egocentrismo não é culpa única e exclusivamente do indivíduo, este é uma pequena fração do todo. E não há motivos para ajudar o próximo. Quem é o próximo? Seu inimigo que compartilha a mesma trincheira. Compartilham o tanque de guerra, as camas da enfermaria, os artefatos bélicos e mantêm a fachada de bons vizinhos, companheiros, amigos. Mas no fundo você sabe que ele não é nada disso, ao contrário. Ele existe e é tão capaz quanto você, logo, vocês também disputam os mesmos cargos. Como podem ser amigos? Estão numa guerra, e nela só vence O melhor, não há lugar para meio-termos. É você ou ele. Os dois, nunca. Enquanto não alcança a vitória, entretanto, precisa dele. Precisa do apoio, das estratégias, das idéias, das influências. Então, o que você faz? Dissimula, engana, disfarça, manipula, transforma, deforma. Aproveita-se ao máximo daquela criatura que, pode ter certeza, usa as mesmas armas para conseguir o que quer. Quando estiver próximo do objetivo, o que fazer? Tira-o do caminho. Se ainda estiver manchado com sentimentos, se ainda não tiver sido ungido no seio da guerra, pode optar por não matá-lo. Pode apenas mentir mais um pouco e denegrir a imagem que por tanto tempo construíram. Ele pode aparentar atordoamento, mas fique certo de que também pretendia fazer aquilo. E, se chegar onde pretende, parabéns, você conseguiu sobreviver. Vencedor? Mais uma vez não. Cumpriu seu papel, nem mais, nem menos. Mas agora você está no topo, rodeado de sanguessugas que aproveitam do seu status para beber as gotas de sangue que caem do seu copo. Amigos? Nenhum. Nunca os teve e por que agora os teria? Amores? Também não. Sempre esteve ocupado demais conseguindo o que tanto esperava e preocupado demais para não cair nas teias do seu companheiro de trincheira. Só tem seu objeto de desejo, que por tanto tempo pleiteou. Mas agora percebe que nada daquilo valeu à pena. Está sozinho no mundo, sua vida passou, e não tens nada a fazer. Nada? Não, há uma coisa. Sim, aquela mesma coisa, aquela que todos temem e ninguém escapa. Você conhece os caminhos mais eficazes de antecipá-la. Pondere, escolha, execute.
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