Tudo estava tão complexo. A vida se esvaia a doses largas, e só podia sentar e esperar. Esperar. Mas o quê? Sem anseios nem expectativas, esperar pelo quê? Esperar por quem? Com a cabeça nas nuvens, seus pés andavam sem saber a direção. E num momento distraído, numa interrupção das divagações, um barzinho na beira da estrada chamou-lhe a atenção. Tinha o estilo rústico, banquinhos e mesas de piquenique. No segundo patamar, mais algumas mesinhas de ferro cobertas por toalhas xadrez. As pessoas espalhavam-se entre gritos e risos, cafés e cervejas. Não precisou olhar o relógio para saber que a noite já estava avançada. O brilho da lua banhava toda a cena com sua palidez prateada. Imaginava-se sozinha àquela hora. Sentia-se sozinha. Mas os carros na avenida ainda cortavam o horizonte. Tantas e tantas pessoas ainda circulavam por ali, que ficou desnorteada. Letreiros de neon enfeitavam as fachadas vazias da manhã. Lembrou-se da Legião: “Você passa dia e noite e sempre vê apartamentos acesos”. Tipos tão diversos entravam em seu campo de visão, fora transportada de um mundo escuro para outro cheio de luzes e sons, sabores e odores à espera para serem descobertos. Notou, então, que jamais andara pela cidade à noite. Nunca notara a metamorfose que se infligia à aura daqueles lugares. Nunca percebera o turbilhão que se seguia após o expediente de trabalho. Exato, depois do trabalho. O que movia aquelas pessoas até ali? Tinham trabalhado durante toda a manhã, não estariam exaustos? Teriam problemas, decerto, então por que não estavam em casa tentando resolvê-los? Por que não estavam lamentando a vida, tão sofrida como só ela consegue ser? E como relâmpago numa noite escura, descobriu a resposta. Sim, tinham problemas. Sim, sofriam com seus amores secretos, com suas contas atrasadas. Por isso estavam ali. Por isso reuniam-se à noite. Para afastar os medos e angústias, para fugir à realidade. A noite funcionava como uma válvula de escape a todo furor e toda irritação do dia. Então por que ela observava aquelas cenas com tanta estranheza? Era a única infeliz por ali, sem dúvidas. Então por que estava infeliz? Repensou. Não valia a pena. Realmente, estava sofrendo à toa. Motivos fúteis? Masoquismo? Autoflagelação? Nada disso. Eram bem reais, mereciam demasiada atenção. Mas sofrer como ela estava não resolveria os problemas. Então, que se foda o mundo, que se foda a minha dor. Saiu da sua bolha conturbada e sombria e adentrou os holofotes. Atravessar a rua foi o suficiente para se contaminar com a alegria, com a euforia daquele ambiente. Nunca imaginara que essa cidade cinza e mórbida durante o dia, saturada de fumaça e tristeza, pudesse sofrer tal mudança, pudesse impor tal mudança na alma d’uma pessoa, afundada em trevas e solidão como ela estava. Agora tinha uma amiga, conquistara sua liberdade. A noite da cidade tornou-se sua confidente,
a mágica noite na cidade que nunca dorme.