Fascinação

segunda-feira, 6 de setembro de 2010



Por que escolhera viver assim? Ninguém disse que teve escolha. Não fazia isso porque gostava, não. Estava além disso. Além de meros prazeres emocionais ou carnais. Era necessidade, mais vital que a própria água. Suas crises de abstinência não se comparavam com nada já visto pela humanidade. Quem o visse nesses dias, duvidaria que estivesse vivo. Até os zumbis das histórias de terror assustar-se-iam. Mas ele estava vivo. Bem, uma parte. O coração batia mais devagar, sem dúvida, mas o cérebro trabalhava freneticamente pra preparar a próxima armadilha. Sua boca salivava constantemente só de imaginar a próxima vitima. Quando enfim tinha o plano perfeito, punha-o em prática. Nunca precisava comprar nenhum material. Sempre dispunha de tudo o que precisava. Se às vezes faltasse algum arame ou parafuso, a antiga ferrovia disponibilizava. Ele não gostaria de matar ninguém, mas era necessário. Ninguém o compreenderia se ele pedisse. Oi, por favor, não queria ser grosseiro, mas será que poderia me doar um pedaço do seu fêmur? Quem sabe uma parte do rim esquerdo, se não for muito incômodo. Não, ninguém entenderia. Ninguém cederia às suas vontades. Então era preciso matá-los. Sem contar que gostava de vê-los sofrer. Gostava de ouvir os gritos estridentes implorando pela vida. Vibrava com as súplicas, com as promessas inúteis que eles faziam para continuar a vivos. Queria poder deixá-los ir, mas não era possível. Caso deixasse, estaria sendo condescendente, fraco. E não poderia mais se divertir. E por um lado, fazia-lhes um favor, libertando-os dessa vida medíocre sem nenhuma sinceridade. Então, para aproveitar o máximo daquela criatura e elevar sua alma ao ápice do êxtase, não era objetivo. Gostava de metáforas, conversava, explicava, cortava, costurava, amarrava, pendurava. Nos homens, seu trabalho era horizontal. Mantinha-os deitados na maca para não ver o pênis balançando. Por sinal, era o primeiro órgão a ser retirado. Achava o pênis algo muito promíscuo. No entanto, guardava-os em potes com formol. As mulheres eram penduradas em ganchos de açougue. Ora pelos pulsos, ora pelas costas. Crianças e idosos eram afogados aos poucos. Seguia esse padrão para manter-se organizado. Na bagunça, alguma coisa daria errado. Além da tortura básica, tinha outro propósito. Conseguir objetos para sua coleção. No inventário, tinha umas cinqüenta peças. Ele gostava de colecionar. Todo tipo de coisa, contanto que fosse humano. Olhos, cabeças, orelhas, dedos, pênis, clitóris, seios, lábios, línguas, dentes, corações, fígados, intestinos, estômagos, rins, ossos, não todos, é claro, só uma parte. De cada pessoa retirava o que mais lhe agradasse. Antes de cremá-las, tirava uma foto delas, escrevia sobre seu perfil psicológico e guardava na pasta. E cada órgão recebia uma plaqueta, indicando seu dono. Ele era muito organizado. Depois, limpava o local da coleta, cremava os restos e preparava-se para a próxima vitima. Sentia-se realizado, extasiado com mais essa conquista, por mais um trabalho bem feito.
Ele não era louco, não era macabro. Era fascinado pela anatomia, e fazia questão de ter exemplares reais, não aqueles de plástico. E era essa fascinação que o movia, que o tornava tão bom.

||Dhay Souza

2 comentários:

Ananda Ribeiro disse...

Nossa... Um pouco violento :O

Bruna Dantas disse...

Cara, você escreve realmente bem. E eu gosto desse tipo de escrita e tema, sério, haha. :)

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