sábado, 29 de janeiro de 2011

  “Vamos brincar de ser feliz. E isso já nos basta.” Este era o contrato. Diversão sem sentimentos. Só uma relação carnal. Quando precisar conversar, estarei aqui. Quando quiser se divertir, estarei aqui. Mas acima de tudo, você sabe o que eu quero. E sei que você também quer. Então, vamos lá? Foi simples assim. Sem promessas nem ilusões. Tudo muito sincero. Aliás, a sinceridade era a principal base desse relacionamento outrora incomum. E no princípio era o suficiente para ela. Finalmente conseguira o que tanto ansiava. Era uma bela garota, sem exageros. Inteligente, educada, organizada, e justa. Tinha belos seios, coxas grossas e cabelos indescritíveis. Enfim, não lhe custou muito ganhar a atenção do seu desejado. E tê-lo para si, mesmo com essas condições, já era alguma coisa. Melhor do que serem apenas conhecidos. O que ela não sabia, infelizmente, era que não conseguiria conter seu ímpeto por muito tempo. Aquela amizade ampliada não seria suficiente. Sentia algo mais forte, necessitava de uma relação mais completa, mais estável, mais complexa. Amava-o deveras, no entanto, não como agora. O que a movia até seu apartamento assemelhava-se a uma devoção, a uma adoração. Ele tornou-se seu ídolo, no sentido literal. Nada a excitava mais do que ouvi-lo chamar-lhe o nome ou o pseudônimo que usavam para manterem-se sigilosos. 
E quanto a ele? Conhecia esse sentimento? Não. Sequer poderia imaginar. Ela era ótima atriz, sabia que se ele o soubesse, descartá-la-ia. E isso seria inaceitável. Porque era assim que ele agia. Gostava de ninfetas, como costumava dizer. E nada de relacionamentos sérios. Muito menos com mulheres mais maduras. Não que gostasse de garotinhas, de menininhas infantis. Só que gostava de ensinar, de estar no comando. E se alguma ameaçasse essa liderança, descartava-a. Então, ela disfarçava seu sentimento para continuar tendo acesso ao seu rei. Mas isso a cansava. Estava exausta de tanta dissimulação. Além de imaginar o seu homem com alguma outra garota. Claro, ela o jurou fidelidade enquanto estivessem nessa brincadeira, mas ele não. Ele era viril, poderia muito bem sair com quem quisesse, comer quem bem entendesse. E vê-lo contando seus segredos à outra era torturante.E assim vivia. Torturada pela incerteza, exausta pela mentira. Deus, como sofria! Não dormia, não se alimentava! Estava desatenta, displicente. Porque o seu Rei, o seu Dono, não era somente seu! Ele era de outras, e quantas lá se sabe! Pois bem, queridinha, ele se deita com você, mas não significa que seja seu. Ele pode ser de quem quiser, enquanto você fica como uma tola perto desse maldito telefone esperando por uma porra de uma ligação desse cara. Um cara que conquista todo mundo. Um cara que quer todo o mundo. Um cara que tem o mundo a seus pés. E você não é todo mundo, é? Você não é qualquer uma, não é, queridinha? Você é especial, você deveria ser especial! Mas isso é o que você pensa. Não ele. Esse cara não pensa que você é especial. Ele pensa que você é só mais uma que ele levou ao céu. Só isso. E não é o bastante, é? Não, claro que não é. É necessário mostra-lhe isso! Fazê-lo enxergar que você não é como as outras! E não deveriam existir, essas outras. Ele deve ser seu! Ele é seu, só não sabe disso. Mais uma coisinha para ensiná-lo. Mas como? Como farei isso? Ele é tão cheio e dono de si! Como lhe abrirei os olhos? Como??? Você sabe, queridinha, eu sei que sabe. Já esqueceu o que lhe ensinei? Esqueceu o que viu naquele filme? É loucura! Não, não é. É amor. E não é isso o que sente? Não é o mais puro e sincero amor? Vamos lá, meu bem. Acabe com o seu sofrimento, ponha um fim à tortura.  Ele é seu, somente seu. Vá buscar o que lhe pertence! Resoluta, esperou a próxima ligação. Dessa vez, com um frio na barriga. Estava muito ansiosa. Iria, enfim, ser dona do que sempre fora seu por direito. Ele ligou, afinal. Era noite, o apartamento era amplo, tinha tudo o que necessitaria. Tudo estava perfeito. Nenhum erro. Nada fora do lugar. Entrou no carro, arfando de felicidade. Durante o caminho, revia e revivia. Estava fazendo o certo. Ele pediu por isso. Relacionamento aberto? Quem ele pensa que eu sou? Tenho meu orgulho! Ora, a culpa não é minha. Ele estava perfumado, com aquele sorriso perfeito. O tipo de sorriso que a fazia sorrir, mesmo que só quisesse chorar. Exatamente. Esse era meu homem. Meu, entendeu? Ela não fora objetiva. Gostava de se divertir. Depois de uma boa dose de sexo, algemou-o à cama. Ele não resistiu, era só brincadeirinha! Tudo bem, gata, pode me soltar? Estou meio cansado, daqui a pouco voltamos, tá? Gostaria de um copo d’água antes. Ah, agora não. E por favor, não fique com essa boca tão tensa. Isso me irrita! Sabe que adoro seu sorriso. Sorria para mim, sim? Ah, vamos lá! Um sorrisinho! Obrigada. Vejamos, por onde começo. Ah, deixa-me te explicar. Sabe, eu sempre te quis. Sempre mesmo. Desde a oitava série. E quando você me apresentou a oportunidade de termos algum tipo de relação, algo mais profundo, sequer hesitei. Melhor do que viver pelos cantos com uma paixão platônica. Mas não pude controlar. Realmente tentei. Tentei enxergar como algo sem compromisso. No entanto, você conhece os fulgores da alma de uma mulher. Ainda mais de uma mulher apaixonada, como eu estava. Estou, desculpe pela conjugação errada. É, baby, eu te amo. Nunca percebeu? Obrigada, sei que sou boa atriz. Mas você não ser astuto não é o verdadeiro motivo de estarmos nessa situação. Querido, não imagina a angústia em que eu vivia só de imaginar que estava tocando outra pessoa! Não sabe o quanto essa brincadeirinha de dissimulação me exauriu! Você não me contava com quantas saía e eu não poderia demonstrar ciúmes! Estava sendo devorada pela incerteza, pela dúvida, pelo meu próprio amor! Estava definhando! Era tortura! Sim, uma tortura à qual você me expôs! Você me torturava, com suas frases vagas, com suas noites sozinho, com suas palavras sem futuro! E convenhamos, nada mais justo do que pagar tortura com tortura. Sua voz estava cheia de emoção. Cheia de uma paixão ensandecida. Estavam mergulhados numa atmosfera densa, negra. Respiravam o odor do próprio amor. Ela exalava esse amor por todos os poros. Estava transbordando de excitação, ansiedade, loucura. Tirou da bolsa alguns objetos metálicos, e esse som causou-o arrepios. Despertou-o os instintos. Os instintos mais profundos que ainda restaram das cavernas. Precisava sobreviver. Gritos, choros, juras de amor. Sua força era inútil contra as algemas e grades da cama. Apelava para o sentimental. Mas ela estava impassível. Ama-me? Não, ama-se. Eis a verdade. Você é tão egoísta que não consegue pensar em mais ninguém. Não consegue amar nada além do espelho. Lembra-se do Narciso? Terão destinos semelhantes. Mas você ainda viverá. Viverá dentro de mim, meu amor! Porque é por isso que estou aqui. Você é meu! Sim, sempre foi. Só não sabe disso. Agora é tarde, querido. Agora já sei o que fazer. Empunhava uma faca de dois gumes. Engraçado. Não é o amor, afinal, uma faca de dois gumes? Não podia ele ser sublime e cruel? Portanto nada melhor para aquela execução amorosa. A lâmina afiada percorria-o o corpo, enquanto ela declamava as qualidades de tão amadas células. Em certos pontos, onde uma onda elétrica invadia-lhe o corpo, a ponta perfurava a pele, alguma veia era danificada, e dali escorria um filete de sangue. Ele choramingava baixinho, ela mantinha-se altiva. O rei decaído e a princesa ascendente. Depois do prólogo, o primeiro ato. Tinha agora um alicate de tamanho incomum, assemelhava-se a uma tesoura de jardinagem. Dançava pelo quarto, acariciava seu dono com as pontas dos dedos trêmulos, recitava versos amorosos de grandes autores. Meu amor, sempre gostei dos seus pés. São contraditórios. Delicados e fortes. E para onde eles te levaram? Para encontrar-se com alguma garota. A algum restaurante que nunca me levou. Ao apartamento das suas amantes. Que feio, pés! Como puderam fazer isso comigo? Traíram a mim que sempre lhes dediquei atenção, que lhes cuidei com tanto esmero! Mas essa fase acabou. E eu os perdôo. No entanto, não posso deixá-los impune. Bem que queria mantê-los intactos, são tão bonitos! Mas a carne é fraca, podem cair em tentação novamente. E por precaução, trate de se despedir dos seus dedinhos. Aliás, despeça-se do cérebro, também. Enquanto falava, ia cortando as falanges. Terminou com o tendão do calcanhar. Gritos estridentes eram soltos pelo réu. Sangue quente escorria dos cortes recém-abertos. Estranhamente, salivava ao ter os sentidos inundados pelo cheiro doce e convidativo. Continha-se e prosseguia. Suas mãos. Tão lindas quanto os pés. Lembra-se que costumavam te chamar de princesa por causa das suas mãos? Eu sempre ria. Princesa, você? Qual é! Eles não te conhecem na cama. Mas voltemos às suas mãos. Quantas outras tocaram? Em quantos corpos deslizaram? São traidoras, como os pés! Também não podem ficar impunes! E se foram os dedos. Cortes precisos, bem nas junções das falanges proximal e média. A cada dedo que se esvaia, um grito ensurdecedor e súplicas inúteis. Novamente salivou e não pôde conter-se. Aproximou os lábios do restante dos tocos ensangüentados e sorveu algum líquido. 
Afogou-se numa onda de êxtase, sentia-se renovada e ainda mais decidida. Não era tão delicioso quanto esperava, no entanto, amou ainda mais aquele homem, porque tudo nele era perfeito, tudo nele a atraía. Meu querido, você é só meu! Então por que procurava outras mulheres? Por que fazia isso comigo? Ah, meu bem! Agora veja o que me obriga a fazer! Sem mais, seguiu corpo abaixo com a ponta do alicate, parando bem ali no meio. Ali mesmo, no orgulho de ostentação de todo macho. O símbolo da virilidade masculina. Os gritos ecoaram pelas paredes. A atmosfera do apartamento era única, diferente do ambiente externo, que estava frio e chuvoso. Ali dentro brilhava uma estrela, soberana e onipotente. Sua exaltação ofuscava a aura gótica e sanguinolenta que envolvia o ex-dono do mundo. Você está pálido, meu bem. O que há? Não gosta da brincadeira? Tudo bem, vamos acabar logo com isso. Não gosto de te ver tão feio assim. Vasculhou na sua bolsa e tirou alguns objetos em embalagens de papel. Eram pequenos, mas não deixou de causar-lhe um arrepio. O que essa louca faria agora? Sentou-se sobre ele e desembalou os objetos. Bisturis. Depois da faca e do alicate, pareciam inofensivos. Mal sabia ele que seriam os mais perigosos. São tão pequenos, não é? A propósito do tamanho, são indispensáveis para um bom serviço. Para situações mais precisas, entende? E deixe-me dizer, realmente queria que houvesse outro meio de fazer isto. Sinto muito ter que macular seu peito impecável. Com um bisturi, fez um grande corte em Y, acima dos peitos e entre eles. Como aqueles feitos para autópsia. Assim podia ter uma visão completa do interior do seu rei. Todavia não estava interessada em pulmões ou estômagos. Aquele órgão pulsante e vermelho era o alvo de todo esse teatro. Afastou as costelas e o esterno. Acariciava o coração como o mais precioso dos diamantes. Era a personificação do seu amor. Ele estava ali, era real, era tangível! Todo o seu homem se resumia nisso. Ali estava tudo o que precisava, tudo o que queria! Ele já não tinha forças para lutar, gritos eram muito cansativos. Súplicas baixinhas eram o que conseguia produzir. O que se sucedeu foi bem prático, sem muito espetáculo. Ela apanhou um frasco circular com formol até a metade e completou-o com sangue do seu amado. Depois, separou o coração da aorta e da cava e o imergiu nesse frasco. Seu troféu estava pronto. 
Tomou um belo banho quente, estava fatigada de tanta excitação. Não se preocupou em limpar a cena do crime. Para ela, não fora nada demais. Seu objetivo fora concluído com sucesso, estava tudo perfeito. Foi para casa e pôs seu troféu na prateleira, entre seus livros. E ali passara sua vida. Deitada na cama, a observar o seu homem, que agora não era de mais ninguém, não encontrara mais ninguém. Agora ele era somente seu, ela era sua dona, era a sua rainha. Ela o possuía, ela o comandava. É, baby, as posições de inverteram.

sábado, 22 de janeiro de 2011


Porém com perfeita paciência,
Sigo a te buscar,
Hei de encontrar.
Bebendo com outras mulheres,
Rolando dadinhos,
Jogando bilhar.
E nesse dia então,
Vai dar na primeira edição:
Cena de sangue num bar da
avenida São João.


Se acaso me quiseres,
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim.
Por uma coisa à toa,
Uma noitada boa,
Um cinema, um botequim.

(...)

E eu te farei as vontades,
Direi meias verdades,
Sempre à meia luz.
E te farei, vaidoso, supor
Que é o maior e que me possuis.

Mas na manhã seguinte,
Não conta até vinte,
Te afasta de mim.
Pois já não vales nada,
És página virada,
Descartada do meu folhetim.

Musiquinha pra Descontrair :D

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011



1, 2... Freddy vai te pegar;
3, 4... é melhor trancar a porta;
5, 6... agarre o crucifixo;
7, 8... é melhor ficar acordado;
9, 10... não durma nunca mais.



"(...) e fica sabendo que a pior filosofia é a do choramigas que se deita à margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas. O ofício delas é não parar nunca; acomoda-te com a lei, e trata de aproveitá-la."
Pobre sra. D. Luísa, esposa de Sr. Jorge, o Engenheiro. Uma boa rapariga, exemplo de esposa. Fresca, asseada, belas melenas louras, toda apertada num corpete, e o pé! ah, que belo pezinho! E todo o que queria era o seu Jorge, o seu maridinho, estendido na voltaire,  e um pequerrucho a correr-lhe pela sala! Mas o que sucedeu de sua vida? Porque o passado sempre volta. E o Sr. Basílio voltou. O Sr. Basílio, seu primo e antigo namorado, o Sr. Basílio que foi ao Brasil construir fortuna e deixou-a abandonada em Lisboa por causa do clima e dos mosquitos da Bahia! E não poderia ter vindo em ocasião mais importuna, enquanto o seu Jorge estava no Alantejo. Achou-a saudosa, necessitada de carinhos. Estava fragilizada pela separação do seu marido, coitada! E vendo ressurgir a figura esbelta e elegante do seu primo, sendo cativada com palavras doces e afáveis, tendo reacendida a lembrança das tardes em Sintra, deixou-se enamorar pelo Primo Basílio. Amo-te, Luísa! Ficarei em Lisboa, deixarei a formosa Paris para ficar ao pé de ti, para poder ver-te aos domingos no Passeio, para beijar-te a mão no Teatro! E a pobre Sra. D. Luísa, enternecida por essas palavras e aqueles gestos de amor, abandonou-se nos braços do Basílio. Dispôs-se a ir ao Paraíso, numa caminhada maçante, debaixo de todo aquele sol, para encontrá-lo numa casinha apertada e atirar-se numa cama de ferro. Estar ao alcance daqueles carinhos vis e imorais, entregar-se a outro homem que não seja seu marido, porque achou-se apaixonada. Teve toda a vida atirada aos porcos por causa das palavras do janota do Basílio. Amou-a, deveras? Sequer por um segundo. Estava sem companhia para o tempo que estivesse em Lisboa, procurou a prima das aventuras infantis. “Quisera-a por vaidade, por capricho, por distração, para ter uma mulher em Lisboa! É o que era! Mas amor? Qual!” Cortejou-a pois para ter nas mãos seu coraçãozinho. E a pobre Luísa, a Luisinha do Engenheiro, que só queria a sua vidinha, foi morta por uma carta. Aquela carta amassada, denunciadora, roubada pela criada, a Sra. Juliana. Uma víbora, essa mulher. Coitada da Sra. D. Luísa! Uma mártir! Carregou a cruz pelo seu erro, um erro reconhecido, uma culpa jamais esquecida! Padeceu no inferno, nas suas últimas semanas de vida. Foi desgraçada por uma paixão ilusória. Percebeu que não amara Basílio. “E como uma pessoa que destapa um frasco muito guardado, e se admira vendo o perfume evaporado, ficou toda pasmada de encontrar o seu coração vazio.” Teria uma linda vida com o seu maridinho e o seu pequerrucho, mas o destino foi cruel e veio cobrar-lhe a dívida pelo seu pecado. Ao fim de algumas semanas, veio a suceder o seu enterro. E o Sr. Basílio, ao retornar a Lisboa, só ressentiu-se por não ter trazido a Alphonsine! Canalha! Uma senhora tão polida, tão honesta, perde-se por um figurão, e não lhe deita ao menos uma palavra de remorso! O que sucederá a ele? O futuro é incerto. No entanto, ele pode muito bem ser cruel com homens dessa espécie.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011


A quem pensas que enganas? Talvez a uns ou outros que não conhecem este tipo de gente. Pois a mim, não. Veste esta imagem para atrair olhares e elogios. Finge-se de nerdzinha para que te admirem. Julga-se muito inteligente por ler alguns livros. Mas não és nada disso. Com seu discurso ativista de paz mundial, às vezes pode até ganhar alguns ais. Prezas tanto pela cultura, não é verdade? No entanto, o que ocupa seu MP3 player? Baboseiras de adolescentes iludidos e alienados. Ta, e daí que eu goste de Justin Bieber e Restart? Também sou adolescente. Então haja como uma! Pare de tentar exibir uma figura precocemente amadurecida! Sabes que não és assim. Mentes para outros e para si. Finde esse teatro, aceite que não és nada. Poderás, quem sabe, ganhar outra coisa. Se não por você, faça pelos outros. Pararás de divergir os olhares de quem realmente merece atenção e reconhecimento.

Dupla personalidade é pouco. Quem sabe até normal. Eu tenho múltiplas. Nada de transtorno bipolar. Controlo-as muito bem. Ficam todas escondidas. Só deixo transparecer as mais inofensivas. Não imagines que me conhece, estás enganado. O que vês são só as camadas externas. O que eu quero que vejas. O interior, a verdadeira essência, a gota mais refinada do meu ser ninguém viu e provavelmente nunca verá. Nem mesmo eu, que estou a todo o momento analisando, discutindo, experimentando, descartando, procurando no fundo da alma, nem mesmo eu conheço-me. Tenho tantas facetas que me perdi tentando encontrar a original e reconhecer as derivadas. Todavia, não espalhe calúnias. Essas tantas personalidades não indicam mentiras ou hipocrisia. Ao contrário, provém de anos de adaptação. Enquadrei-me a tantas pessoas procurando o melhor jeito para adaptar-me que me esqueci de ser apenas eu. Se acho ruim? Talvez. É relativamente bom. Agrado a todos – menos aos invejosos, esses são sempre hostis – não fico deslocada, converso sobre vários assuntos, tenho diversas opiniões. Estas, no entanto, não se perderam. Posso expressar outras, mas as verdadeiras, as que brotaram no fundo de mim, conheço-as sem divergências. Defendo-as para alguns, oculto-as para muitos. E assim vou seguindo, sofrendo metamorfoses até definir-me como borboleta ou permanecer como lagarta.